sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Cultura contra a segregação

O Globo 09/11/2012

Às vésperas de completar dois meses na pasta, a ministra Marta Suplicy prega uma distribuição mais equilibrada de recursos entre brancos e negros, defende a fiscalização do Ecad e anuncia interferência na política de patrocínio das estatais






PLÍNIO FRAGA
Enviado especial a Brasília
plinio.fraga@oglobo.com.br

Prestes a completar dois meses no cargo, no próximo dia 13, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, 67 anos, afirmou ontem que trabalhará para a criação de um órgão fiscalizador independente para acompanhar a atuação do Ecad, escritório responsável pela arrecadação dos direitos autorais no Brasil.

— Vou seguir a recomendação da CPI do Senado. Não é nada demais ter fiscalização externa em um órgão que detém o monopólio. Só no Brasil é assim — disse Marta ao GLOBO em seu gabinete no Ministério da Cultura, em Brasília.

A ministra contou que pretende dar uma marca de “inclusão social” à sua gestão no ministério, com programas como o Vale Cultura (que prevê R$ 50 para gastos em cultura para quem ganha até cinco salários mínimos), a construção de 360 CEUs das Artes — centros de produção cultural dotados, por exemplo, de biblioteca somente com livros artísticos — e a aplicação de projetos e editais de incentivo à produção da cultura negra.

— Eles sofrem preconceito, sim. Têm menos meios de acesso, de formulação de projetos. E, quando conseguem, ninguém patrocina. Querem que o Brasil chegue ao ponto dos Estados Unidos? Você viu a imagem que colocaram de uma corda enforcando aquela cadeira que o Clint Eastwood entrevistou na propaganda do Romney contra Obama? — questionou a ministra, que anunciou ainda editais para a revelação de escritores jovens negros, que serão convidados a participar de caravanas pelo país, a coedição de livros, prêmios e incentivos à arte negra por meio do prêmio Grande Otelo, da Funarte.

Marta afirmou que pretende permanecer no cargo de ministra da Cultura até o final do mandato da presidente Dilma Rousseff:
— Não sou candidata ao governo de São Paulo. Pode escrever. Estou no projeto de reeleição da presidente Dilma.

Muito gripada, com a voz rouca e tomando um produto natural à base de limão e sal para a garganta, Marta ainda aconselhou o fotógrafo do GLOBO, no momento em que este transmitia fotos para o jornal de seu computador:
— Esta foto está bonita. A outra não. O queixo levantado me deixa muito arrogante.

l A senhora acha que conseguiu pacificar a cultura, após a polêmica gestão anterior?
Fiquei satisfeita com o acolhimento do povo da cultura. As coisas começaram a andar: Vale Cultura, nova lei Rouanet, nova lei do direito autoral. Fui convidada para destravar e dar uma marca do governo Dilma à Cultura. Só tenho dois anos para isso. Há também os 360 CEUs das Artes, já licitados. Vamos dar chances a milhares de talentos terem onde se expressar. Os talentos não nascem necessariamente nos locais mais privilegiados. É o Bolsa Família da alma.

l No Vale Cultura, já há um acordo para retirar aposentados e servidores públicos dos beneficiários, o que, para o governo, torna o projeto que está no Congresso insustentável?
Você acha que estou fazendo o que aqui? Foi retirado tudo. Conversei com o presidente da Câmara, Marco Maia. Disse que com aposentado e servidor não havia possibilidade de a presidente aceitar. Ele sugeriu que fosse enviada uma medida provisória. Eu contrapropus que fosse enviado um projeto da frente parlamentar de cultura para restituir a ideia original. O projeto já tem mais de cem assinaturas. Vai ter muita força e será votado até o final do ano.

l Que entraves a senhora enfrenta no Procultura, a lei que substituirá a Rouanet?
O Ministério da Fazenda entregou ontem ao deputado Pedro Eugenio (PT), relator na Câmara, o estudo dos impactos das isenções previstas. Ele está sendo muito habilidoso e deve entregar seu relatório na semana que vem. Conversamos sobre algumas arestas. Áreas que tiravam nossa autonomia, o que achávamos inaceitável. Mas ele foi muito flexível na conversa, muito determinado em alguns pontos. Mas tenho que respeitar a autonomia do deputado.

l Um estudo do Ipea mostrou que até 1995 a maior parte do dinheiro da área da cultura vinha do ministério. Já em 2010 o perfil havia mudado. Mais de 90% era dinheiro incentivado, sem pagar imposto. como a senhora analisa esses números?
Incomoda bastante. Acredito que a cultura não é tratada como instrumento de desenvolvimento econômico. Em muitos países é subsidiado para ter uma política de Estado. Em virtude da pouca importância que se tem dado à cultura por todos os governos é que foi desenvolvido um método bastante engenhoso, que funciona, mas tira das mãos do ministério a possibilidade de fazer uma política de Estado mais forte. Temos certos controles sobre a lei Rouanet. Vamos fazer agora, por exemplo, 30 Pontos da Cultura Negra. Vamos descobrir novos autores negros, que serão incluídos num projeto da Biblioteca Nacional de Caravana de Escritores. Você já pensou, um jovem autor negro de 17, 18 anos, viajando pelo país ao lado de escritores consagrados para divulgar sua obra?

l A senhora não teme críticas à chamada racialização da cultura em razão de medidas como essa?
Pessoas que dizem isso não têm os números da realidade. Os números das desigualdades regionais se aplicam também aos negros. Dos projetos da lei Rouanet para análise, 71 são do Norte e 5.374 do Sudeste. É um absurdo. Na distribuição de valores o Norte recebe 1,6% e o Sudeste, 67%. Com os negros ocorre algo semelhante. Porque eles têm menor condição de acesso a meios para elaborar e depois, quando são aprovados pela lei Rouanet, não conseguem captar. É mais ou menos como a região Norte. Ninguém quer patrocinar. É péssimo falar isso. Mas o que vamos fazer? Cruzar os braços? Ver chegar numa situação como a dos Estados Unidos, onde a coisa ficou tão acirrada? Você viu na TV uma mulher que colocou uma cadeira na televisão e a enforcou? Isso remete à Ku Klux Klan. Não temos isso aqui, mas corremos riscos quando o (pastor Silas) Malafaia sai fazendo campanha do jeito que fez. Isso é o que temos de evitar. Não a possibilidade de os negros terem uma vida melhor e oportunidades iguais. São projetos de inclusão social na cultura que queremos no governo Dilma. Estamos agora no patamar de incluir o alimento da alma.

l A senhora disse que pretende interferir na política de patrocínio das estatais. Como pretende fazer isso?
Foi uma incumbência que a presidente me deu. Não veio da minha cabeça. Ela falou: interfira na política das estatais, porque quero uma política de Estado. É uma oportunidade boa. Mas na premência de que estou tendo de conversar com uma quantidade enorme de atores ainda não me debrucei sobre isso. Mas o farei. Vou analisar estatal por estatal. vou conversar porque as presidências dessas estatais são ocupadas por companheiros. Não teremos nenhum problema em uma ação conjunta. Não virá tudo para mim. O ministério era inoperante nesse sentido. Agora está empoderado para ter essa conversa.

l Sobre a nova lei dos direitos autorais, como anda a negociação?
Estamos caminhando para o máximo de liberdade com o mínimo de apropriação indevida na obra do autor. São linhas finas. Estou estudando. Sobre Ecad, já tenho o que falar. Conversei com muitos grupos. O Ecad é um órgão importante, tem que ser mantido, tem que ser independente. Não há queixas por parte dos músicos mais famosos. Existe um mar de queixas dos músicos menos conhecidos. O Ecad tem razão quando diz que muitos músicos estão decadentes, tocam menos, e não aceitam isso. E me fizeram ver que não conseguem ter acesso a tudo, já que o Brasil é enorme, não dá para se apropriar de todas as informações sobre onde as músicas são tocadas. Eles acreditam que têm transparência absoluta. não foi o que escutei dos outros lados. Em nenhum país do mundo um órgão que tem o monopólio não é fiscalizado. Só no Brasil. Minha posição é ir de acordo com a CPI do Senado e defender um órgão externo de fiscalização. A decisão de ter um órgão externo já tomei. Acredito que será bom para todos. A composição será decidida. Não vamos estar fazendonada de excepcional.

l A senhora apoia a nova lei das biografias que está em debate no Congresso?
Estou de acordo. Não é preciso autorização do biografado, mas ele entra na Justiça caso queira reparação.

l A senhora havia resistido à indicação do expresidente Lula de Fernando Haddad como candidato a prefeito de São Paulo. Como viu a vitória dele?
Eu era contra porque eu teria uma vitória mais fácil. Mas o Lula acertou. O momento era de impor uma pessoa diferente. Ele renovou o partido. Mas eu tive uma participação importante. Quando o bilhete único entrou em debate no primeiro turno, usei minha credibilidade no setor de transportes para ajudar Haddad. Foi ali que Russomanno escorregou.

Nuvens ajudam previsão do tempo


DAVID FERRIS

DO "NEW YORK TIMES"

The New York TimesDesde o início, o brasileiro Carlos F. Coimbra sabia que precisava decifrar o código das nuvens.
Professor de engenharia da Universidade da Califórnia em Merced, ele liderou uma campanha bem sucedida para que 15% da energia da escola viesse de um conjunto de painéis solares.
Em duas ocasiões, porém, as nuvens frustraram seus esforços, lançando sombras inesperadas e forçando a escola a depender da energia convencional.
Então, ele tentou um novo tipo de previsão. Ele escreveu um algoritmo de computador para projetar como as nuvens se movimentam e mudam de forma.
Hoje, seis anos mais tarde, Coimbra, 44, e seu colaborador, Jan P. Kleissl, 37, criaram um mecanismo de previsões que afirmam ser 20% a 40% mais preciso do que o modelo comumente usado.
Especialistas em meteorologia, energia e rede elétrica dizem que a inovação pode acelerar a adoção de fontes de energia renovável e possibilitar a economia de bilhões de dólares.
"Não posso dizer o que vai acontecer às 16h23 de domingo", disse Coimbra, cujas previsões se estendem por sete dias, mas com precisão decrescente. "Mas posso dizer o que vai acontecer hoje entre o meio-dia e as 18h."
O potencial de economia de custos atraiu o interesse de empresas que constroem e operam usinas de energia solar, além de empresas de eletricidade e operadores da rede elétrica.
Uma previsão certeira torna mais fácil o uso da energia esporádica do sol e do vento, levando a energia renovável a ter um grau de confiabilidade próximo ao de uma usina de combustível fóssil ou de energia nuclear.
À medida que poupa dinheiro nos mercados energéticos, a tecnologia também dinamiza o mundo das previsões meteorológicas.
As previsões ajudam os aeroportos a ter uma noção mais exata de quando tempestades vão chegar e ir embora, o que resulta em menos atrasos de voos.
Essa tecnologia também pode dizer a agricultores quando será a primeira geada do ano ou quando haverá um temporal, reduzindo a necessidade de bombear água para a irrigação.
Além disso, uma boa previsão pode guiar bombeiros que combatem incêndios florestais, projetar o percurso de um ataque de bioterrorismo ou localizar com precisão o caminho que será seguido por um tornado.
É provável que as previsões tenham sua primeira aplicação em usinas de energia solar e eólica, algumas das quais mantêm grandes e caros bancos de baterias para armazenar energia extra e liberá-la, se necessário.
Operadores da rede elétrica se acotovelam para comprar energia no mercado financeiro quando as fontes de energia relacionadas ao tempo escasseiam, pagando dez a cem vezes a mais do que pagariam se comprassem com um dia de antecedência.
Uma previsão perfeita dos ventos, se representasse 20% do fornecimento energético, pouparia entre US$ 1,6 bilhão e US$ 4,1 bilhões por ano.
O instrumento mais importante da tecnologia criada por Coimbra é uma câmera com uma lente grande-angular que faz fotos de 13 km2 do céu a cada 30 segundos.
Esse aparelho monitora a velocidade das nuvens e gera uma previsão para os próximos três a 20 minutos.
Para períodos maiores de tempo, o algoritmo de computador digere dezenas de medidas -irradiância solar, velocidade do vento, imagens de satélite, umidade do solo- e determina quais são relevantes.
Ninguém sabe como serão usadas as previsões solares quando elas forem aperfeiçoadas, mas Coimbra acha que suas viagens de motocicleta serão beneficiadas: "Vou saber o quanto posso ir antes de a chuva chegar."

Quadrinhos


CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
MALVADOS      Andre Dahmer

ALLAN SIEBER
GARFIELD      JIM DAVIS

JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      MANDRADE

O câncer não espera na fila - Claudia Collucci


O câncer não espera na fila


Há uma semana o Senado aprovou o projeto de lei que fixa um prazo máximo (60 dias) para início do tratamento de pacientes com câncer pelo SUS. Ainda falta a sanção da presidente Dilma Rousseff, que dificilmente vetaria um projeto dessa natureza.
Mas será que existe alguma chance de esse prazo ser respeitado pela rede pública? Tenho minhas dúvidas.
O tratamento do câncer é uma das áreas mais críticas do SUS. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União, em 2010, só 34% dos pacientes de câncer conseguiram fazer radioterapia. Outros 53% demoraram muito para conseguir uma cirurgia.
O tempo médio de espera por uma quimioterapia foi de 76 dias. Apenas 35% dos pacientes foram atendidos em 30 dias, prazo que o próprio Ministério da Saúde recomenda e considerado o ideal pelos especialistas. Na radioterapia, são 113 dias de espera, em média.
Apenas 16% são atendidos no primeiro mês. Isso sem contar o tempo precioso perdido entre o cidadão perceber que tem algo errado, conseguir consulta com especialista e encontrar vaga em centro oncológico.
ESTÁGIO AVANÇADO
Essa espera faz com que muitos pacientes comecem o tratamento com o tumor em estágio mais avançado e, portanto, com menor chance de cura. Estudos mostram que enquanto em outros países os pacientes com câncer sobrevivem de 12 a 16 anos, em média, no Brasil esse tempo é reduzido para dois a quatro anos.
Diante desse cenário, fica difícil pensar que, num passe de mágica, as pessoas passarão a ser atendidas em até dois meses após o diagnóstico da doença --com medicamentos, quimioterapia, radioterapia e cirurgia.
O fato é que o país não se preparou para enfrentar a doença, que tem 500 mil novos casos por ano. Faltam leitos, equipamentos e profissionais qualificados. E não há solução a curto prazo. É preciso que se faça investimentos no desenvolvimento de uma infraestrutura que possa dar vazão à demanda, que só crescerá com o envelhecimento populacional.
Silva Junior-11.nov.11/Folhapress
Hospital do Câncer de Barretos
Hospital do Câncer de Barretos
O que acontece hoje no Estado de Rondônia (Norte) é um bom exemplo para entender o tamanho da complicação. Quase todos (97%) dos pacientes que têm câncer diagnosticado por lá viajam mais de 3.000 km para serem atendidos no Hospital de Câncer em Barretos, interior de SP, porque não existem centros especializados naquela região. Escrevi sobre isso em abril
O próprio ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reconhece a desigualdade de acesso ao tratamento oncológico, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, mas diz que o SUS tem ampliado o volume de recursos para tratamento contra o câncer. No ano passado, foram R$ 2,2 bilhões de investimentos --R$ 400 milhões a mais do que em 2010.
Padilha também já anunciou a compra de 80 aceleradores nucleares (ainda em processo licitatório) para a realização de radioterapia, o principal gargalo no serviço público. Mas isso, na melhor das hipóteses, só começará a funcionar em 2015.
DISPARIDADE
Enquanto isso, milhares de brasileiros vão continuar morrendo porque não tiveram a mesma sorte de pessoas como a presidente Dilma e o ex-presidente Lula de estarem em um centro oncológico de excelência, onde puderam diagnosticar e tratar seus tumores precocemente.
Há três anos, uma pesquisa feita com mulheres que tiveram câncer de mama mostrou que a sobrevida das que são tratadas no SUS é 10% menor do que aquelas acompanhadas pelos serviços privados. Entre elas, o câncer também foi diagnosticado em estágios mais avançados (36% contra 16%).
A incorporação recente da droga trastuzumabe no SUS (usada por 25% das mulheres com câncer de mama), dez anos depois de a rede privada já oferecê-la, é outro exemplo da disparidade entre os mundos da saúde pública e da privada.
Portanto, garantir o atendimento integral aos doentes oncológicos em um menor período de tempo possível é a única chance de o país reduzir as mortes evitáveis pela doença. Não há números de quantas elas seriam, mas uma coisa é certa: o câncer não espera na fila.
Avener Prado/Folhapress
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site

Língua pátria - Sérgio Rodrigo Reis‏

Autores contemporâneos de expressão portuguesa conquistam espaço no mercado nacional. Editoras brasileiras apostam na identidade cultural cada vez mais forte com os países africanos 

Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 09/11/2012 
  O mercado editorial internacional de língua portuguesa redescobriu o Brasil. Diante de potenciais leitores ávidos por novidades e durante décadas sem acesso à literatura contemporânea de países que falam a mesma língua, os olhos dos autores e editoras estrangeiras brilham. “É o nosso maior mercado. Ainda vendemos mais para Portugal, mas o Brasil está em crescimento rápido: são mais de 200 milhões de pessoas sabendo ler e escrever que, aos poucos, acabam chegando aos livros”, avalia o angolano José Eduardo Agualusa, um dos mais influentes autores da literatura portuguesa contemporânea.




Romancista, contista, poeta e jornalista, Agualusa adotou uma estratégia nada tímida para ampliar o alcance da sua literatura: dedicar-se aos países que falam o português. Tem dado certo. O autor, que vive entre Angola, Portugal e, é claro, Brasil, não tem do que reclamar. Além de ser constantemente requisitado no crescente mercado de feiras literárias nacionais, o que garante bons cachês aos convidados internacionais, seus livros têm tido boa repercussão no Brasil. O mais recente – Teoria geral do esquecimento –, obra sobre o medo do outro, o absurdo do racismo, o amor e a capacidade de redenção do ser humano, acaba de chegar às livrarias. “O Brasil tem importância grande desde sempre, pois recebo bastante informação cultural daí”, diz o escritor, que é neto de carioca.

A possibilidade de editar os livros no Brasil, que vem animando os escritores africanos e portugueses, está em franca expansão. Tanto que editoras nacionais e internacionais têm dedicado atenção especial à movimentação. Em Minas não é diferente. A Editora UFMG, há algum tempo, criou a coleção Poetas de Moçambique, especialmente para difundir a produção do país africano. Já foram lançadas antologias de Rui Knopfli (1932-1997), poeta que produziu uma encorpada e original obra literária durante o período de formação de seu país; de José Craveirinha (1922-2003), representado numa obra concisa, cobrindo cinco livros publicados em vida e duas coletâneas póstumas, além de dezenas de poemas espalhados em periódicos; e de Luís Carlos Patraquim. A próxima publicação será da portuguesa Glória de Sant’Anna. 

O interesse pela nova coleção de poesia é crescente. “Os livros têm ido bem”, informa Euclídia Macedo, que na editora cuida de um aspecto delicado: os direitos autorais. Se por aqui o assunto é complicado, ganha outros contornos quando, além dos desdobramentos da legislação brasileira, ainda é necessário negociar, no caso de autores estrangeiros já falecidos, com os respectivos herdeiros. “Não é tarefa fácil, porém tem valido a pena”, salienta Euclídia.

Mão dupla 


Não são somente as editoras nacionais que se têm interessado em lançar aqui autores de língua portuguesa. De olho nas oportunidades de intercâmbio, a editora portuguesa Bárbara Bulhosa abriu uma filial brasileira da Tinta da China. A proposta é trazer para cá autores contemporâneos de língua portuguesa e levar a literatura brasileira contemporânea a Portugal. Sobre os autores portugueses, adianta: “São escritos muito bons, com características literárias diferenciadas, como o humorista Ricardo Araújo Pereira, fenômeno aqui. Selecionamos alguns dos seus melhores textos e reunimos num livro feito especialmente para vocês, que batizamos de Se não entender eu conto de novo, pá”, conta ela, de Lisboa. Outra aposta que tem dado certo é a escritora Dulce Maria Cardoso, autora de O retorno, considerado o livro do ano em Portugal. O movimento inverso já ocorre. “Publiquei Luiz Ruffato e Francisco Bosco e a reação tem sido positiva.” 

Mas também há algumas dificuldades para os estrangeiros. “A concorrência é enorme. O Brasil tem ótimos autores e editoras, o que torna o mercado competitivo. O inegável é que há um interesse genuíno. Quando um livro é bom, mais tarde ou mais cedo acabamos por chegar aos leitores. Fui para aí por acreditar nisso. Há um patrimônio emocional grande entre nós. Há 10 mil quilômetros que nos separam e, mesmo assim, somos próximos”, compara Bulhosa. 

O angolano José Eduardo Agualusa aposta nesse parentesco, sem deixar de lado o que cada literatura tem de particular: “Não se faz uma literatura. Fazem-se muitas. Não existe um único modelo, e sim, variantes.” Isso não significa dificuldades. “A literatura traz a dicção do povo que fala. A africana, a brasileira e a portuguesa têm seu modo próprio de tratar a língua”, explica Terezinha Taborda Moreira, do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros, da PUC Minas.

A ascensão da classe média afrodescendente no Brasil é outro fato que tem ajudado a expansão desse mercado. “É grande o interesse pela produção cultural da África contemporânea, que não mais reproduz aquela visão arcaica do continente”, explica Agualusa. A pesquisadora da PUC Minas também observa este interesse. “A curiosidade maior dos alunos é justamente pela literatura africana emergente. Enquanto na literatura portuguesa atual observamos reflexões profundas em relação aos problemas que marcam o homem na contemporaneidade, os africanos, além disso, trazem questões históricas pelas quais passaram, durante as colonizações, que não conseguiram vencer. É também uma literatura, do ponto de vista estético, bastante refinada”, conclui Terezinha Taborda.

Trinta anos de solidão


O novo livro do escritor angolano José Eduardo Agualusa, Teoria geral do esquecimento (Editora Foz, 174 páginas), surgiu, há tempos, a partir de uma cena que o perseguia. “Era de uma mulher que vivia fechada numa casa.” Certa vez, quando um cineasta português o convidou para realizar uma proposta de roteiro para um filme, ele retomou aquela ideia. A história que começou a escrever evoluiu para um filme que nunca saiu do papel. Quando concluiu o que parecia ser um roteiro, viu que, na realidade, tinha pronto nas mãos o novo romance. O livro, que acaba de chegar às livrarias brasileiras depois de conquistar repercussão em Angola e Portugal, ganhou ainda traduções na França, Inglaterra, Holanda e Alemanha. 

A história é curiosa. Em Luanda, em 1975, Ludovica, ou Ludo, como os mais íntimos a conhecem, em meio à guerra civil angolana, vê sua irmã e o cunhado desaparecerem para sempre depois de sair numa tarde. Nunca mais retornam à casa. De tão apavorada com a situação lá fora e com a solidão que bate à porta – porque não tem mais nenhum parente ou amigo –, decide se fechar naquele apartamento, sem contato com mais ninguém, por mais de 30 anos. “O prédio acaba ocupado por gente da favela e ela se vê isolada e esquecida do resto do mundo, rodeada por livros, na companhia de um cão”, conta Agualusa. 

O escritor utiliza a saga dessa mulher isolada do mundo como metáfora e espécie de antídoto à trágica situação angolana. Cercada por livros, Ludo cria um universo paralelo imaginário repleto de personagens, numa narrativa aparentemente desconexa que, mais tarde, se materializa em personagens reais quando ela volta a ter contato com a realidade. Com o roteiro, que acabou virando esse livro, considerado pela crítica lusitana um dos melhores da sua carreira, Agualusa consegue sintetizar aspectos fundamentais do cenário político de seu país de origem a uma trama de alta voltagem poética. 

Papo reto - Carolina Braga‏

MV Bill estreia como apresentador de TV no programa O bagulho é doido, que será exibido pelo Canal Brasil. Rapper abordará temas como segurança e preconceito no setor cultural 

Carolina Braga
Estadode Minas: 09/11/2012 




Ele não queria um programa “engessado”. Também era fundamental ter liberdade para falar com quem quisesse e do que quisesse. Trato feito, estreia hoje, às 23h30, no Canal Brasil, O bagulho é doido, programa idealizado e apresentado pelo rapper MV Bill. “Estou encarando uma coisa completamente nova”, diz ele. Com cerca de 25 minutos, cada um dos 14 episódios traz uma entrevista.

O nome da atração é referência a uma das faixas de Falcão – O bagulho é doido, disco de MV Bill lançado em 2006. Mais que convidar personalidades, o músico procurou conversar com pessoas que ele considera importantes. O fato de serem ou não famosas não importa. Na estreia, Bill, bate papo com José Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro. O cenário da gravação é o adro da Igreja da Penha, na Zona Norte carioca.

Também participarão da série a cantora paraense Gaby Amarantos, o sambista Arlindo Cruz, o cineasta Cacá Diegues, o rapper Projota, a jornalista Maria Beltrão e o produtor cultural Haroldo Costa, entre outros. “O resultado de cada conversa me surpreendeu. Aprendi com todas elas”, conta Bill. Ainda que sua experiência no posto de entrevistador de TV seja novidade, ele já desempenhou essa função no cinema. Comandou o documentário Falcão – Meninos do tráfico, que conta a história de 17 garotos recrutados por traficantes em favelas do país.

MMA 

Morador da Cidade de Deus, na Zona Oeste carioca, MV Bill sempre procura associar a carreira artística a ações voltadas para a comunidade. Além do programa, ele prepara a gravação de EP, cuida da organização de um torneio de MMA e de um torneio de futebol para moradores das favelas do Rio de Janeiro. Também participa como ator do filme romântico Dia dos Namorados, de Roberto Santucci, e da gravação do videoclipe de sua canção O soldado que fica.

A nova música conta a história de um jovem policial escalado para ficar na favela depois da implantação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). “Ele acha que está defendendo o coletivo, mas quando se vê cercado pela ocupação, percebe que está sozinho. É o exército de um homem só”, revela o rapper.

As UPPs e o projeto de pacificação de favelas, pondera MV Bill, devem ser analisados com cautela, pois a implantação dessas unidades ainda é recente, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. “Ainda que a intenção seja pacificar, ocupar não é suficiente. Ocupar a favela é uma coisa, pacificar é outra. A pacificação se dá quando temos outros tentáculos do governo, além do braço armado, adentrando nesses lugares. A polícia pode garantir segurança. Entretanto, os serviços básicos vêm de outros exércitos: professores bem pagos e estimulados, muita saúde, agentes na área social, trabalho, renda, habitação. Enfim, outros tentáculos governamentais precisam entrar”, adverte.

Bagulhinho em ação



O bagulho é doido aposta na diversidade de temas, explica MV Bill. Se a segurança está em voga na estreia, com a cantora Gaby Amarantos o papo abordará preconceitos cristalizados na indústria do entretenimento. Os programas foram dirigidos por Anderson Quak. 

“Há um roteiro. Fico com o papel na mão, mas nem sempre sigo o que está ali. Às vezes pergunto coisas que estão na minha cabeça e são até mais interessantes que o roteiro”, explica. Um personagem foi criado especialmente para participar da sabatina. Perguntas espinhosas ficarão por conta do boneco Bagulhinho, criação do mineiro Evandro Luiz da Rocha. Ele venceu concurso promovido na internet. Cerca de 100 desenhos foram enviados por artistas de todo o país. 

A entrevista funciona como o carro-chefe de O bagulho é nosso, mas a música terá espaço. Ao fim de cada episódio será exibido um videoclipe brasileiro. “Sempre tive vontade de ser VJ. É a minha oportunidade”, conta o rapper.

Saiba mais
Ele joga em todas





Alex Pereira Barbosa, o MV Bill, nasceu no Rio de Janeiro, em 1974. Escritor, compositor, documentarista, roteirista e militante na política e em movimentos negro e social, ele recebeu os prêmios Unesco – Categoria Juventude; o Prêmio de Direitos Humanos, concedido pelo Ministério da Justiça; Cidadão do Mundo, pela ONU; e Wladimir Herzog, do Sindicato de Jornalistas de São Paulo. 

Em 2005, em parceria com o produtor Celso Athayde e o antropólogo Luiz Eduardo Soares, publicou o livro Cabeça de porco. Em 2006, chamou a atenção do país com o documentário Falcão – Os meninos do trafico, dele e de Athaíde. Em 2006, lançou o livro Falcão, os meninos do tráfico, seguido de Falcão – Mulheres do tráfico (2008). Como ator, dividiu a cena com Nanda Costa (foto) no filme Sonhos roubados, dirigido por Sandra Werneck, sobre garotas moradoras de favelas cariocas.

O BAGULHO É DOIDO
Hoje, às 23h30, no Canal Brasil

CIÊNCIA » Falta de chuva abalou os maias-Max Milliano Melo‏

Análise de estalagmites em caverna leva cientistas a concluir que não houve preparo para período de seca, tornando essa civilização mais vulnerável aos ataques espanhóis e astecas 

Max Milliano Melo
estado de Minas: 09/11/2012 

Por quase 2 mil anos, os maias foram os soberanos da América Central. O grupo ocupou regiões do Sul do México, da Guatemala, de El Salvador, de Honduras e de Belize desde o ano 1000 a.C., desenvolvendo uma complexa cultura composta por modernas técnicas de agricultura, uma rica arquitetura que incluía pirâmides, além da única forma de escrita desenvolvida na América Pré-colombiana. Uma das contribuições para a cultura atual foi um calendário que iniciou a lenda de que o mundo acabará em dezembro deste ano. Pois, para os maias, o fim da linha foi bem mais precoce. A civilização sucumbiu no século 16. Primeiro, parcialmente dominada pelo império asteca, que se expandia na região; depois, dizimada pelos espanhóis.
 
Mas o que teria levado o grupo, dono de tecnologias tão modernas como o sistema de esgoto — desenvolvido amplamente pela Europa no século 18 —, a sucumbir frente a outra civilização ainda em fase de expansão? Pesquisadores de vários países acreditam ter encontrado a principal causa: as mudanças climáticas. O artigo de capa da edição de hoje da revista Science mostra que foram alterações na temperatura e no ciclo de chuvas que levaram os maias à crise e ao enfraquecimento, abrindo caminho para a dominação asteca e espanhola.
Como desenvolveram um complexo sistema de escrita, dados históricos sobre a civilização já estavam disponíveis para os cientistas, que, com base neles, suspeitavam que a questão climática pudesse ter tido alguma relação com o declínio maia. Contudo, faltavam indícios físicos. Esses vestígios  foram encontrados pelos cientistas na caverna de Yok Balum, na fronteira de Belize com a Guatemala, ao sul da antiga cidade maia de Caracol. Lá, um conjunto de estalagmites guarda registros climáticos desde a pré-história. A velocidade de crescimento e a composição das estalagmites dependem da frequência e da intensidade das chuvas. 
De posse desses dados, os cientistas analisaram diversas inscrições nas rochas em todas as cidades maias, dando um olhar especial àquelas relacionadas a guerras e batalhas, criando, assim, um “índice da guerra”. “Os textos históricos esculpidos em monumentos de pedra fornecem um rico acervo de guerras, de casamentos, de adesões de reis e rainhas, da captura e do assassinato de guerreiros de grupos concorrentes. Os eventos são incrivelmente bem datados com o calendário maia”, explica Douglas Kennett, da Pennsylvania State University, nos Estados Unidos. “O fim de uma tradição de escultura em pedra entre os anos 800 e 1000 marca o colapso generalizado da tradição maia clássica”, completa. A atenção especial às informações sobre guerras deve-se ao fato de esses eventos representarem momentos de desestabilização social.

Explosão demográfica Com as informações climáticas conseguidas na caverna de Yok Balum e do histórico social decifrado nas paredes das construções que ainda resistem aos dias de hoje, os pesquisadores começaram a cruzar os dados e chegaram à conclusão que dois eventos opostos foram decisivos para o fim da civilização. “As quantidades anormalmente elevadas de chuvas favoreceram um aumento na produção de alimentos e uma explosão na população entre os anos 450 e 660”, conta o pesquisador norte-americano. 
Esse período foi acompanhado por uma quantidade menor de guerras e outros conflitos regionais, demonstrando que, com a ampliação da população, houve um fortalecimento da unidade central do grupo. “Isso levou à proliferação de cidades como Tikal, Copan e Caracol pelas planícies maias”, completa o pesquisador Douglas Kennett. Apesar de ter possibilitado o auge da civilização, o período de bonança tornou catastrófica a fase que se seguiu.
Os dados climáticos extraídos das pedras da caverna mostram que uma seca extremamente severa substituiu o período “das vacas gordas”. “A tendência duradoura de quatro séculos foi pontuada por uma série de grandes secas que provocaram um declínio da produtividade agrícola e contribuíram para a fragmentação social e o colapso”, completa o arqueólogo. “A mais severa seca (entre 1020 e 1100) ocorreu após o colapso generalizado do império e pode estar associada ao fato de a população ter diminuído amplamente na região”, completa. 
Após a perda do poder central ocasionada por guerras por comida e água, a civilização sofreu com epidemias de fome e de doenças, diminuindo ainda mais a quantidade de habitantes. “Depois de anos de dificuldades, uma seca quase secular iniciada por volta do ano 1020 selou o destino maia no período clássico”, afirma o especialista James Baldini, outro autor da pesquisa e integrante do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Durham, no Reino Unido.

Desastre repetido
 Os pesquisadores comparam o evento a outra seca ocorrida na região cerca de 500 anos depois. “Ao longo dos séculos, as cidades sofreram um declínio em suas populações e os reis maias perderam poder e influência”, afirma Douglas Kennett. “A ligação entre a longa seca do século 16 com as más colheitas, a morte, a fome e a migração para o México fornece um análogo histórico, apoiado pelas amostras de estalagmites da caverna, para a tragédia sociopolítico e para o sofrimento humano experimentado periodicamente pelos maias do período clássico.”
Os especialistas lembram, contudo, que não foi a seca por si só a causadora do colapso da famosa civilização. “A ascensão e a queda dos maias é um exemplo de como uma civilização sofisticada pode decair quando não tem sucesso ao se adaptar a uma mudança climática”, explica o britânico James Baldini. Assim, a seca só conseguiu eliminar o complexo grupo porque foi antecedida por um período de bonança aliado à despreocupação com questões ambientais. “Períodos de elevada precipitação aumentaram a produtividade dos sistemas agrícolas, levando a um crescimento da população e a sobrexploração de recursos. O clima progressivamente mais seco, então, levou à desestabilização política e a guerras quando os recursos se esgotaram”, completa.

Dependente da presença dos outros - Rebeca Ramos‏

Psicanalista defende a ideia de que o transtorno de personalidade borderline pode ser visto como uma espécie de vício: o paciente sente uma necessidade urgente de estar com pessoas importantes para reduzir um forte medo de abandono 

Rebeca Ramos
Estado de Minas: 09/11/2012 

Uma sensação de dependência constante pode definir dois transtornos que, até agora, pareciam ter mecanismos de funcionamento bem diferentes. O transtorno de personalidade borderline (TPB) e as adicções (vícios) se manifestam de forma distinta, mas podem ser entendidos pelo mesmo princípio: a subordinação do afetado por alguém ou por alguma coisa. Essa forma de abordar os dois problemas é defendida na tese de mestrado “Reflexões sobre a relação entre a personalidade borderline e as adicções”, do psicanalista Marcelo Soares da Cruz, na Universidade de São Paulo (USP). De acordo com ele, com esse entendimento, o tratamento e a abordagem dos pacientes diagnosticados com TPB poderiam mudar.
“Os terapêuticos utilizados pela falta de compreensão por parte de profissionais de saúde mental, a aversão ou o preconceito existentes no contato com esses pacientes mudam com esse novo olhar”, acredita. Cruz explica que, até esse estudo, a personalidade borderline não era entendida como uma modalidade de adicção.
Segundo ele, foi encontrada vasta literatura que deu pistas sobre essa relação. “É um campo que apresenta multiplicidade de sentidos e concepções diversas, porém a mera classificação, seja qual for, não é capaz de abarcar a polissemia e a singularidade desses sofrimentos”, conta. A partir daí surgiu a necessidade de compreender o sentido dessas manifestações do sofrimento humano. A pesquisa foi realizada por meio da revisão dos conceitos psicopatológicos relacionados na literatura, suas articulações e ilustrações clínicas.
O psicanalista conta que foi possível compreender a personalidade borderline como uma modalidade de adicção, ou seja, que há uma proximidade entre a organização e a dinâmica psíquica nos dois quadros. “O ponto central é a compreensão da busca do paciente borderline por um outro, por relacionamentos e por presenças, como uma forma de dependência passível de ser comparada àquela que se estabelece por uma droga, por um jogo ou por comida, entre outros”, aponta. O motivo seria a dificuldade em “guardar o outro dentro de si” quando ele não está por perto. Por isso os pacientes com TPB teriam tanta insegurança e seriam acompanhados de uma sensação de ameaça.

Instabilidade emocional Na visão de Cruz, isso ocorre em função da necessidade que o paciente sente da presença de uma pessoa fundamental para a manutenção de sua estabilidade emocional. Há a experiência de uma ameaça iminente de abandono, de distância e perda das relações mais fundamentais nesses casos. “A dor e a desestruturação pela ameaça de perda desse outro geram uma espécie de ‘vício’ da presença concreta de determinadas figuras. O outro é tomado como presença extremamente necessária para aliviar uma vivência de colapso emocional”, explica.
“Esse é um sofrimento que revela um drama que todo ser humano está desafiado a superar, como a solidão, a instabilidade das relações, embora nem todos contem com condições de sustentação para isso. Olhar para a personalidade borderline como uma forma de dependência do outro, uma adicção, ajuda na compreensão de sentidos de um sofrimento que pode estar presente em qualquer pessoa, pois pertencem ao acontecer humano, talvez radicalmente humano”, analisa Cruz. Nesse grupo específico de pessoas estudadas, possivelmente haja uma intensificação de dramas que podem ser conhecidos, em diferentes níveis, por todos.
Professor da Universidade de Brasília (UnB), o psiquiatra Raphael Boechat sustenta que os dois quadros apresentam situações totalmente diferentes. O TPB, como o nome diz, é uma patologia da personalidade. Ou seja, o indivíduo tem um padrão comportamental constante durante a vida inteira, pois faz parte da sua personalidade. “Já as adicções surgem normalmente na juventude ou na idade adulta e, na maioria dos casos, passam com o envelhecimento. A adicção por si só não é uma patologia, pode sim fazer parte de alguma. O transtorno de personalidade já é uma patologia”, diferencia.
Contudo, após o estudo da USP, é possível compreender a busca presente nesses pacientes e a necessidade de aplacar um sofrimento intenso. Isso, ele ressalta, revela um aspecto esperançoso na busca pelo outro ou pela droga, numa tentativa de alívio ou restituição de algo que falta. “Conotação divergente de sentidos ligados à autodestruição, por exemplo. Também se desfaz o sentido único de busca por prazer nas adicções, que também podem ocorrer como busca de alívio de estados dolorosos, fato que não funciona em geral, mas contém sentidos diferentes do que o senso comum atribui”, observa.
Boechat conta que o diagnóstico é realizado por meio de consulta psiquiátrica. O objeto da adicção, na maioria dos casos, são as drogas. Elas são a chave do diagnóstico e também o motivo pelo qual surge a necessidade do tratamento. “No caso do transtorno de personalidade, a necessidade do tratamento surge por conflitos interpessoais ou por episódios de autoagressão”, diz.

Necessidade O psicanalista Jorge Curvina afirma que tanto as adicções como TPB têm características sintomáticas e estruturais comuns, sendo semelhantes principalmente no que se relaciona ao excesso e à forma analítica de amar, de se relacionar com o mundo e com as coisas. Ou seja, são marcados por uma dependência excessiva de determinado objeto ou relação. Ele observa que, nos dois quadros, a pessoa tem uma necessidade extrema de ser cuidada pelo outro, mais ou menos como um bebê precisa de sua mãe para sobreviver.
“A dependência, seja do excesso de amor ou das drogas, do jogo ou do sexo, é uma tentativa de preencher esse buraco, essa angústia”, diz. Dessa forma, se um paciente apresenta sintomas dessa natureza, é importante um diagnóstico diferencial, minucioso, para saber com que tipo de personalidade realmente se está lidando. “Isso porque, pela minha experiência clínica, acredito que todo TPB tem relações adictivas de alguma forma, mas nem toda pessoa que sofre por uma relação adictiva é um TPB”, pondera. Curvina destaca que, embora os problemas sejam semelhantes sintomaticamente, o adictivo tem uma estrutura de personalidade mais flexível, menos severa, em que o seu eu não está tão comprometido com a sensação de perda iminente. “Cabe ao profissional fazer essa diferenciação.”

Vai indo que eu não vou e 'Drogas na USP' - Suzana Singer


Vai indo que eu não vou


No sábado seguinte ao Dia da Criança, a jornalista Juliana Centini, 28, decidiu levar o filho de dois anos a uma exposição sobre "Como Nasce um Brinquedo". Ela tinha consultado o "Guia Folha" na internet e ficou animada com um molde gigante do Woody, o caubói de "Toy Story", que o menino adora.
Juliana atravessou a cidade: da sua casa na zona norte ao Shopping SP Market, são 36 quilômetros. "Não era nada do que estava descrito. Meu filho ficou frustrado", conta.
O pequeno Artur tinha razão. A exposição resumia-se a dezenas de bonecos expostos em cubos apertados de vidro, nada muito diferente do que se encontra em uma loja de brinquedos. A explicação sobre como eles "nascem" aparecia em cartazes colados à parede, no melhor estilo feira de ciências dos anos 70. O molde do Woody era só uma foto.
Quem cria filho em São Paulo sabe como é difícil arrumar programa de fim de semana. Na revista sãopaulo de 21 de outubro, entre as dicas selecionadas para crianças, estava outra exposição, essa de livros de pano ("Manos que Cuentan").
A descrição da mostra estava correta, mas não faz sentido incluí-la como opção de programa para toda a cidade. Eram só oito livros feitos por artesãs peruanas, sem nada de muito especial, dispostos em pequenas prateleiras de uma biblioteca pública no coração do largo 13. Quem mora nas redondezas pode ter gostado, mas pobre de quem enfrentou o trânsito de Santo Amaro para levar o filho até lá.
Outra sugestão errada para crianças é o Beco do Batman, na Vila Madalena, que aparece no ªGuiaº on-line. Apesar do nome, a viela, cuja graça são as paredes grafitadas, não é uma atração para pequenos.
Nem tudo o que está nos roteiros de lazer é checado ªin locoº. Não há tempo nem gente suficientes para visitar todas as mostras, fazer os passeios, assistir a todas as peças e filmes. Esse foi o problema com a dica do Shopping SP Market.
A Redação diz que "o melhor é sempre visitar o local, mas, em alguns casos, a atração é anunciada antes de estar pronta". A apuração, nesses casos, é feita por telefone e com as assessorias de imprensa.
No "Manos que Cuentan", a reportagem foi até o lugar e argumenta que "as opções listadas na revista não incluem só superproduções, porque há pais que preferem outros tipos de atividade". Difícil de engolir. Entre um show do Cirque du Soleil e a exposição feita para os frequentadores da biblioteca, há um abismo gigantesco.
Ao longo dos anos, os roteiros de lazer cresceram muito e o pioneiro "Guia Folha" é o melhor da cidade. Há uma preocupação saudável de selecionar opções para diferentes bolsos e regiões, mas talvez esteja na hora de pensar menos em extensão e mais em qualidade.
Em assuntos como cinema, é essencial listar tudo o que está em cartaz, porque existe cinéfilo que não se importa em pegar dois ônibus e fila para assistir a um filme turco sobre "um casal sufocado pelo vazio e monotonia do cotidiano".
Já outros roteiros, como o destinado a crianças e o de passeios, podem ter menos itens, mas apurados com mais cuidado. É um jeito de eliminar barcas furadas.
DROGA NA USP
A polícia fez um achado surpreendente: um túnel de 15 metros usado por traficantes para vender drogas perto da Cidade Universitária. Segunda surpresa: a notícia virou manchete da Folha de quinta-feira, com duas fotos na capa.
Dois dias antes, a ocupação da favela de Paraisópolis, fato muito mais importante, mereceu uma chamada pequena. Inflaram um assunto menor, dando vazão, na internet, a toda sorte de impropérios contra a USP. Jeito fácil de chamar a atenção e criar polêmica.

Não veta, Dilma faz prefeitos sonharem -Daniel Camargos‏

Gestores municipais de Minas já planejam como vão gastar o dinheiro que engordará o caixa se o Planalto mantiver projeto que divide os royalties do petróleo entre as cidades 

Daniel Camargos
Estado de Minas : 09/11/2012 


Enquanto os governadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo pressionam a presidente Dilma Rousseff (PT) para vetar o projeto de partilha dos royalties do petróleo, aprovado na Câmara dos Deputados, prefeitos das 853 cidades mineiras comemoram a perspectiva de aumento da arrecadação. De acordo com projeção da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o montante dividido entre as prefeituras mineiras passará de R$ 112,7 milhões para R$ 607,7milhões, um aumento de quase meio bilhão de reais. Para os administradores mineiros, o dinheiro já tem destino certo e deve se transformar em postos de saúde, pavimentação, quadras esportivas, escolas e outras benfeitorias. 

Em Pompéu, cidade de 29 mil habitantes na Região Central, o dinheiro do petróleo é aguardado e tem duas demandas urgentes. A primeira é a construção de uma escola em um assentamento de agricultores com 147 famílias. “Há uma escola, mas funciona de forma improvisada em uma casa desapropriada”, explica o prefeito reeleito Joaquim Campos Reis (PPS). A segunda obra é, segundo ele, uma demanda de mais de 30 anos. “A construção da rodoviária, que já foi orçada e custaria R$ 850 mil”, detalha. A cidade recebe atualmente R$ 177 mil e passará a receber, caso o projeto não sofra alterações ou sanções, R$ 1,09 milhão, o que representa um aumento de R$ 916 mil.

O prefeito de Divinópolis, Vladimir de Faria Azevedo (PSDB), destaca que o petróleo é uma riqueza nacional e precisa ser repartida. A cidade que ele governa, de 213 mil habitantes, no Centro-Oeste mineiro, aumentará a arrecadação dos royalties de R$ 720 mil para R$ 4,4 milhões, uma diferença de R$ 3,7 milhões. “Daria para asfaltar parte do itinerário de ônibus”, estima Vladimir. O prefeito calcula que com o dinheiro seria possível pavimentar cerca de 10 quilômetros. Vladimir aponta também outras possibilidades: “Pode ajudar no custeio da qualificação do serviço, investir na saúde e em áreas carentes, como a defesa civil”. 

Vladimir é presidente da Frente Mineira de Prefeitos e entende que o dinheiro do petróleo não pode criar “oásis de prosperidade”, como ocorre nas cidades fluminenses de Campos dos Goytacases e Macaé. De acordo com o cálculo da CNM, Campos teria uma queda na arrecadação com os royalties de R$ 1,2 bilhão para R$ 420 milhões. Já Macaé deixaria de receber R$ 520 milhões e passaria a receber R$ 475 milhões. 

Gota d’água no oceano O prefeito de Andrelândia, Samuel Isac Fonseca (PSDB), não conta com os milhões das grandes cidades, mas faz uma série de planos. A cidade, de 12 mil habitantes, no Sul de Minas, terá um ganho de R$ 523 mil, passando de R$ 101 mil para R$ 625 mil, caso a presidente sancione a lei. “Significa mais recursos para investimentos em infraestrutura”, avalia Samuel. Entre os planos do prefeito de Andrelândia estão a pavimentação de ruas da cidade e investimento em lazer e saúde. “Dá para fazer dois postos do Programa Saúde da Família ou reformar o estádio municipal”, planeja. Ele explica que a maior parte do orçamento das cidades já é condicionado, sendo que 15% deve ser investido na saúde e 25% na educação, além do pagamento dos funcionários, que consome a maior parte do dinheiro. “Quando existe um recurso como esse dos royalties, não direcionado, é possível atender outras demandas da população”, avalia o prefeito. 

O presidente da CNM, Paulo Ziulkosky, entende que o dinheiro será apenas “uma gota d’água no oceano de dificuldades das prefeituras mineiras”. A expectativa de Ziulkosky é de que a presidente Dilma sancione o projeto, da maneira como ele passou no congresso. “Ela precisa pensar na reeleição em 2014 e não pode brigar com todos os prefeitos”, argumenta o presidente da CNM.

Enquanto isso...

…RJ e ES vão o Supremo
Parlamentares do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, estados prejudicados com a nova divisão dos royalties do petróleo aprovada pelo Congresso, acionaram novos gatilhos para tentar derrubar a decisão. Além de mandar uma carta à presidente Dilma Rousseff e reclamar de falhas no texto votado, o grupo protocolou ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que a análise do mandado de segurança apresentado pelos parlamentares no ano passado – para impedir a votação do projeto – seja feita com urgência. O documento é assinado pelos deputados Anthony Garotinho (PR-RJ), Hugo Leal (PSC-RJ) e Rose de Freitas (PMDB-ES). Eles alegam que a demora na concessão de liminar ao mandado provoca risco aos envolvidos. “O Rio e o Espírito Santo podem vir a ter seus direitos constitucionais saqueados”, argumentam. No requerimento de novembro de 2011, as bancadas dos dois estados defendiam que, de acordo com a Constituição, os royalties do petróleo só poderiam ser distribuídos entre estados e municípios em que há produção. (Adriana Caitano)

Em defesa do Museu do Índio - Cleonice Pitangui Mendonça


Estado de Minas: 09/11/2012 

No ano em que comemoramos 90 anos do nascimento de Darcy Ribeiro, uma de suas obras, o Museu do Índio, por ele criado no Bairro Maracanã em 1953, recebe um ataque do governo do estado do Rio de Janeiro. Em nota oficial, expedida em 18/10, o governador Sérgio Cabral anuncia a demolição do museu para oferecer mobilidade maior às pessoas no entorno do Maracana, durante a Copa do Mundo em 2014. O museu, única instituição oficial no país dedicada exclusivamente às culturas indígenas, foi transferido para o Bairro do Botafogo em 1978. À época do funcionamento do museu próximo ao Maracanã, o marechal Rondon e Darcy Ribeiro costumavam ali receber os índios.

A falta de visão do governador com essa atitude, eliminando de um bem cultural de significado ímpar para a nossa história e cultura, causa-nos estranheza, pois nos faz pensar que o governador parece não saber que esse bem cultural faz referência aos primeiros povos que habitavam a terra a se transmutar no Brasil. Falta maior é não capitalizar o Museu do Índio para a Copa de 2014, tombando-o, recuperando-o, preservando-o e o transformando num exemplo positivo de como o Estado trata os nossos primeiros habitantes, num país formado de diferentes humanidades, como diria Darcy Ribeiro. Existe vitrine melhor para a visita de turistas do mundo inteiro, que estarão aqui para a Copa, do que essa, situada ao lado de um dos nossos maiores estádios, onde ocorrerá parte dos jogos?
A nossa Carta Magna, dispondo sobre a cultura, diz em seu artigo 216: 
“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Nesse sentido, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), já acionado, tomar as medidas necessárias para o reconhecimento do imóvel como patrimônio cultural. 

Uma movimentação em defesa desse nosso patrimônio foi iniciada pela Fundação Darcy Ribeiro com o lançamento de um manifesto, em 26 de outubro de 2012, dia do aniversário de noventa anos de Darcy Ribeiro, e pelos indígenas, que ora ocupam o prédio, realizando rituais de canto e dança como forma de resistência não violenta. Os indígenas, que tradicionalmente nos oferecem lições de como lidar na preservação do meio ambiente, agora nos ensinam sobre a defesa do patrimônio deles e do nosso. Que as autoridades competentes detentoras do poder político ajam em consonância com tais ações a favor da não destruição do imóvel, acatando laudo do Iphan, pela preservação do prédio. 

Ao receber o título de Doutor Honoris Causa pela Sorbonne, em 1979, Darcy Ribeiro aceitou a honraria pelos méritos de seus fracassos que, no entanto, atestavam a sua dignidade. Um deles era a luta em defesa dos índios do Brasil que continuavam condenados à aniquilação, haja vista, hoje, a situação dos Guaranis-caiovás, com grande repercussão e causando espanto no mundo. A preservação do Museu do Índio deve mostrar uma visão de Estado que faça justiça aos nossos primeiros habitantes, apontando na direção de uma política de direitos tão cara ao discurso oficial. 

Darcy Ribeiro dizia que somos uma nova Roma, tardia e tropical, construindo-nos como uma nova civilização, orgulhosa de si mesma. “Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as culturas.” O ato do governador Sérgio Cabral aponta para o oposto.