segunda-feira, 29 de abril de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Falhas econômicas
A descoberta de erros em um estudo publicado em 2010 pelos economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart desencadeou grande polêmica sobre um problema macroeconômico: qual a relação entre o tamanho das dívidas e o crescimento da economia?
Em termos simples, a divisão teórica e política se refere a como governos já endividados devem reagir à lerdeza econômica.
É justificável aumentar ainda mais o endividamento, a fim de estimular a retomada do crescimento? Ou os governos devem gastar menos, para evitar problemas maiores, como inflação e desconfiança dos investidores (credores), entre outros, que poderiam solapar a economia no futuro?
Rogoff e Reinhart são professores de Harvard, autores de um respeitado estudo sobre crises financeiras ("Desta Vez é Diferente?"). Entre outras conclusões, no artigo afirmam que a relação entre a dívida do governo e o ritmo da economia não é muito relevante até um limite. Quando o endividamento supera 90% do PIB, o crescimento é severamente reduzido.
Recentemente, pesquisadores da Universidade de Massachusetts, liderados por um estudante de pós-graduação, descobriram naquele trabalho erros no uso de um programa de computador, omissão de dados e aplicação indevida de técnicas estatísticas. Mas tais falhas, bastante prosaicas, apenas reavivaram controvérsia mais séria, que vinha desde a crise de 2008.
Uma crítica essencial a Rogoff-Reinhard trata da direção da causalidade: a dívida causa baixo crescimento ou o contrário? Governos de países que crescem pouco têm receitas menores. Assim, aumentam o deficit, contraindo dívidas. De resto, o tamanho relativo do débito não diminui se uma economia não cresce.
Apesar dessas dúvidas conhecidas, o artigo dos economistas de Harvard tornou-se munição das escaramuças políticas. Reforçou os argumentos dos defensores da austeridade, da redução da dívida, em especial na União Europeia.
O episódio convida à reflexão sobre o consumo desses estudos. Cada pesquisa, por mais séria que seja, é uma contribuição preliminar, pelo menos até ser incorporada ao conjunto maior da teoria, e sempre passível de correção futura.
Qualquer aplicação científica, em particular nas ciências sociais, precisa levar em conta contextos. O sucesso de estudos e teorias muitas vezes está condicionado ao interesse social, econômico ou político que eles podem legitimar.


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Último recurso
Ao aceitar os chamados embargos infringentes, Supremo Tribunal Federal pode mudar a sorte de alguns condenados do mensalão
De uma intrincada polêmica jurídica pode depender o caráter --severo ou quase inexistente-- das penas que recaem sobre alguns réus do mensalão, como os petistas José Dirceu, Delúbio Soares e João Paulo Cunha.
Nos três casos, a prisão em regime fechado (que se aplica em condenações superiores a oito anos) decorre de terem sido julgados culpados por vários crimes, entre eles os de lavagem de dinheiro (caso de João Paulo Cunha) e formação de quadrilha (Dirceu e Delúbio).
O plenário do Supremo Tribunal Federal dividiu-se quase simetricamente ao pronunciar-se sobre esses crimes. Foram seis votos condenando Dirceu e Delúbio, contra quatro pela absolvição. Quanto a João Paulo Cunha, sua condenação foi decidida também por seis ministros (e cinco o absolveram).
Na análise dos recursos dos réus, o STF terá de pronunciar-se sobre a possibilidade de serem revistas tais condenações. Diminuindo-se em dois ou mais anos o total das penas, os condenados passariam a beneficiar-se do regime semiaberto, que na prática equivale a uma situação de liberdade controlada.
Facultam-se dois tipos de recurso, teoricamente, aos condenados.
Há os embargos de declaração, nos quais se requer da corte a solução para ambiguidades e contradições no texto condenatório, e os embargos infringentes, nos quais o próprio conteúdo do julgamento poderia ser reexaminado.
Tais embargos infringentes, que poderiam absolver agora os condenados de dezembro, seriam admissíveis apenas nos tópicos em que houve pelo menos quatro votos favoráveis aos réus.
Para alguns juristas, essa possibilidade --admitida nos regulamentos internos da corte-- teria deixado de existir em 1990, quando a lei 8.038, ao estabelecer procedimentos processuais, deixou de tratar desse tipo de embargo. Acima do regimento do STF, que é explícito, valeria a omissão da lei.
Alguns ministros, como Celso de Mello e Cármen Lúcia, já indicaram que não seguem a interpretação. Consideram melhor admitir a possibilidade de um reexame nos casos em que o plenário se dividiu.
Essa revisitação servirá, ao menos, para esclarecer questões que estão longe de ser resolvidas de forma definitiva, como os próprios conceitos de formação de quadrilha e de lavagem de dinheiro.
Com a saída de Ayres Britto e Cezar Peluso e a posse de Teori Zavascki, mudou a composição do STF, mas com efeito difícil de discernir no que respeita aos embargos infringentes. O voto de Zavascki (ainda uma incógnita) e a improvável mudança de opinião de algum outro ministro representam os últimos fios de esperança dos próceres petistas condenados à reclusão em regime fechado.

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