segunda-feira, 29 de abril de 2013

Vanzolini foi muito mais que um cronista de São Paulo

folha de são paulo

LUIZ FERNANDO VIANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na década de 1940, Paulo Vanzolini dedicou-se à boemia, começou a compor, formou-se médico e iniciou sua internacionalmente bem-sucedida carreira de zoólogo.
É irresistível especular que há mais complementaridade do que mera coincidência nessa superposição de atividades com aparências tão diferentes.
O cientista que conhecia todas as minúcias de répteis e anfíbios também era o autor de sambas que iam direto ao ponto, fazendo ricas apresentações de personagens e histórias sem se perder em versos demais, salvo exceções extensas como a primorosa "Capoeira de Arnaldo".
"Vida comprida e vazia/ Dias e noites iguais./ Morte é paz" ("Morte É Paz"); "Quando eu for, eu vou sem pena/Pena vai ter quem ficar" ("Quando Eu For, Vou sem Pena"); "Só pretendo/ Que de tanto mentir,/ Repetir que me ama,/ Você mesma acabe crendo" ("Mente").
Além dessas músicas amargas, com o travo das noites paulistanas que ele frequentou e interpretou tão bem, há as divertidas, temperadas com o humor dos boêmios mais inteligentes.
"Mulher que não dá samba eu não quero mais" ("Mulher que Não Dá Samba"); "Orgulho eu não tenho/ Mas sou homem demais pra cinquenta por cento" ("Maria que ninguém queria"); "Pondo a modéstia de parte,/ É Napoleão Bonaparte e eu/ Que sabemos de verdade/ O quanto dói uma saudade" ("Napoleão").
Em 2003, foi lançada a caixa de quatro CDs "Acerto de Contas", com 52 músicas de Vanzolini regravadas por Chico Buarque, Paulinho da Viola, Miúcha, Elton Medeiros, Martinho da Vila e muito mais gente.
Era a prova irrefutável, caso alguém ainda tivesse dúvida, de que sua obra ia muito além de "Ronda" e "Volta por Cima", seus dois grandes sucessos - tão grandes que incomodavam a sua discrição, sobretudo o primeiro, pois não morria de amores pelo samba-canção terminado num bar da avenida São João.
Paulo Vanzolini não se reduz a classificações fáceis. Não é apenas um cronista de São Paulo, embora seja um dos melhores, com mais nuances do que seu amigo Adoniran Barbosa.
Não é só da fossa, da bossa, das moças. Mexeu em temas e linguagens variadas com seu bisturi preciso. O jeito econômico, refletido numa discografia de quatro títulos (apenas um com sua voz), é coerente com o que compôs.
Ouvi-lo é sempre comover-se e, ao mesmo tempo, levantar e sacudir a poeira.
Luiz Fernando Vianna é jornalista, autor de "Aldir Blanc - Resposta ao Tempo" (Casa da Palavra).
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