quarta-feira, 3 de abril de 2013

Albert Einstein libera bichos de estimação para visitar pacientes em SP

folha de são paulo

JAIRO MARQUES
DE SÃO PAULO

Entre olhares de admiração, espanto, surpresa e curiosidade, a cadela Clara, da raça fila, com três anos e 73 kg, entrou ontem tranquilamente pela recepção e passou por corredores de um dos mais importantes hospitais do país, o Albert Einstein, em São Paulo. Ela foi visitar o dono, que está em tratamento contra um câncer na bexiga.
Após três anos de testes e preparo de equipes, o hospital liberou, sob rígido protocolo, que bichos de estimação, às vezes considerados membros da família, visitem pessoas internadas --mesmo em unidades semi-intensivas.
"Meus filhos moram fora de São Paulo, são muito ocupados. A Clara acaba me fazendo companhia em horas difíceis. Ela é parte da família. Poder tê-la comigo no hospital faz a diferença no meu ânimo, na minha disposição", diz o advogado Ennio de Paula Araújo, 71.
A entrada de bichos no Einstein --gatos e passarinhos também são aceitos-- faz parte também do cumprimento de regras de uma certificação internacional de humanização que o hospital conseguiu no ano passado.

Albert Einstein libera visitas de bichos de estimação

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Zé Carlos Barretta/Folhapress
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Em tratamento de câncer, Ennio Araújo abraça a cadela Clara no hospital Albert Einstein, que permite visita de animais
O Einstein é o 35º hospital do mundo e o primeiro da América Latina a conseguir o selo concedido pela organização americana Planetree.
"Poder receber seus bichos aqui era um desejo frequente dos pacientes. Eles fazem bem e, sem dúvida, interferem na cura", afirma Rita Grotto, gerente de atendimento do hospital.
Clara teve de passar por uma avaliação de seu veterinário, que deu um laudo atestando sua boa saúde, e tomar um banho caprichado antes da visita. Os donos apresentaram os documentos de vacinação e se comprometeram a mantê-la tranquila.
"Mas, antes de tudo, é preciso a autorização do médico, que tem de colocar no prontuário do paciente que está de acordo com a visita. Uma equipe multiprofissional checa se todo o protocolo foi cumprido. Na menor dúvida, a entrada não será autorizada", declara Grotto.
O hospital diz que recebeu só uma queixa até hoje. A mãe de uma criança com leucemia reclamou da presença de um cão, mas recuou depois de receber explicações.
O aposentado Menachem Mukasiey, 67, está há uma semana internado com um problema no joelho e aguardava ontem ansioso a visita da poodle Bolinha.
"Já passei por vários hospitais e jamais me permitiram ver a Bolinha, que fica sem comer e depressiva enquanto estou fora. Aqui é o único lugar que me deixaram recebê-la, o que é uma alegria."
Paulo de Tarso Lima, coordenador da área que implanta as medidas de humanização no Einstein, afirma que "não está se falando de uma vontade de todos os pacientes" e que "também não se autoriza a presença dos bichos em qualquer lugar, de qualquer maneira".
Para o médico, o contato com os bichos pode levar "felicidade, paz e bem-estar" e auxiliar a recuperação de algumas pessoas. "O encontro com um cão ajuda a relaxar, a retomar a preocupação com o corpo, o que pode ficar perdido em pacientes crônicos."
O Conselho Regional de Medicina de SP e a Sociedade Brasileira de Infectologia não se manifestaram.
Editoria de Arte/Folhapress

Alexandre Schwartsman

folha de são paulo

Hesitação autônoma
O cenário inflacionário piorou, mas o BC ainda não foi capaz de decidir se vai fazer algo a respeito
Na semana passada, o Banco Central divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação e, com ele, suas previsões para a inflação até o primeiro trimestre de 2015.
Como os 18 leitores já suspeitavam, o BC teve que rever significativamente para cima suas projeções, de valores pouco acima da meta em 2013 e 2014 para algo ao redor de 5,5% até março de 2015. Ainda são previsões otimistas, mas mostram, ao menos parcialmente, a extensão do problema.
Em meados do ano passado, quando os primeiros sinais de aceleração da inflação começaram a surgir, a equipe econômica, BC inclusive, culpava um mal definido "choque de oferta" relacionado à seca no EUA (que, maldosamente, só afetou o Brasil, poupando nossos vizinhos mais bem-comportados).
Seria, portanto, um fenômeno de curta duração, pois os preços cairiam assim que a oferta internacional se normalizasse, dissipando os efeitos inflacionários.
O próprio relatório demole esse argumento, já que previsão de inflação esperada acima da meta por período tão longo revela não mais se tratar de problema temporário e localizado.
Ao contrário, é coerente com um padrão observado há algum tempo nos índices de inflação: a proporção de itens que registram aumentos de preços no IPCA (o chamado índice de difusão) tem batido seguidos recordes, atingindo os valores mais elevados dos últimos dez anos, indicando propagação das pressões inflacionárias.
Não é por acaso, então, que até o BC, depois de negar o quanto pôde a gravidade do problema, começou, com atraso, a mudar de atitude.
Seja por meio dos discursos de seus dirigentes, seja em sua comunicação oficial, o banco passou a dar ênfase precisamente à persistência da inflação, assim como a seu caráter disseminado.
Ao mesmo tempo, removeu as referências à estabilidade da taxa de juros "por um período de tempo suficientemente prolongado" e, finalmente, ao reconhecer a piora nas perspectivas de inflação para os próximos 24 meses, preparou o terreno para iniciar a elevação da taxa de juros.
Ou não.
Depois de elencar os argumentos que justificariam um endurecimento da política monetária, inclusive reconhecendo a possibilidade de "uma eventual acomodação da inflação em patamar mais elevado", o BC evita a conclusão lógica e "pondera que incertezas remanescentes (...) cercam o cenário prospectivo e recomendam que a política monetária deva ser conduzida com cautela".
Em outras palavras, o cenário inflacionário piorou consideravelmente, mas o BC ainda não foi capaz de decidir se vai fazer algo a respeito.
Não estivesse essa expressão presente já na ata do Copom, divulgada duas semanas antes de a presidente se manifestar contrária à elevação da taxa de juros, caberia até perguntar se a hesitação resulta de restrições de ordem política.
Aparentemente, porém, o BC hesita sozinho.
Isto dito, embora o Copom mostre autonomia de hesitação, a atitude da presidente em nada colabora.
Caso o BC conclua pela manutenção do nível atual da Selic nos próximos meses, será difícil para observadores externos distinguir entre duas possibilidades: uma decisão autêntica (apesar de, a meu ver, errônea) ou uma intervenção direta do mundo político num corpo que deveria ser predominantemente técnico eliminando qualquer ilusão remanescente sobre a autonomia decisória do BC.
Talvez esteja aqui a dificuldade maior de entendimento da presidente. Ninguém interpretou sua fala (contra "políticas de combate à inflação que olhem [sic] a redução do crescimento econômico") como sinal de descaso com a inflação (ainda que seja exatamente essa a conclusão inescapável do seu discurso), mas, sim, como um obstáculo à ação do BC, a quem foi dada a tarefa de proteger a estabilidade do poder de compra da moeda.
Pior do que a presidente não entender a dinâmica da inflação é sua desconsideração pelo arranjo institucional para lidar com o problema. Ainda iremos lamentar bastante as consequências.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil, sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica e professor do Insper. Escreve às quartas nesta coluna. www.maovisivel.blogspot.com

Senado propõe simplificar os tributos de domésticos

folha de são paulo

Ideia é criar regime como o Super Simples, de micro e pequenas empresas
Comissão quer regulamentar, até o fim do mês, lei que amplia os direitos dos trabalhadores
GABRIELA GUERREIRODE BRASÍLIA
O Congresso estuda simplificar a forma pelo qual os empregadores de domésticos terão que pagar contribuições e benefícios previstos na nova lei, promulgada ontem.
A discussão vai ocorrer em comissão, criada ontem, para analisar vários dispositivos da Constituição ainda pendentes de regulamentação -trabalho que vai começar com os pontos que dizem respeito aos novos direitos das domésticas.
Relator da comissão, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) disse que vai propor, para a categoria, um tipo de Super Simples -regime simplificado de recolhimento de tributos que já existe hoje voltado para as micro, pequenas e médias empresas.
Ele quer finalizar o trabalho sobre os novos direitos dos domésticos até o fim do mês. Depois, o texto seguirá para votação nos plenários do Senado e da Câmara.
Sobre a proposta de simplificação de tributos, Jucá afirmou: "Os lares brasileiros não têm contador nem recursos humanos, por isso temos que criar um dispositivo para não deixar dúvidas sobre os direitos das domésticas".
O Congresso promulgou ontem a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que ampliou os benefícios para a categoria.
Com a publicação da proposta no "Diário Oficial", prevista para hoje, as regras que não precisam de regulamentação passam automaticamente a valer -como a limitação da carga de trabalho a 44 horas semanais.
Paralelamente ao trabalho da nova comissão do Congresso, o Ministério do Trabalho também criou um grupo de trabalho para preparar a regulamentação de questões como o pagamento do salário-família, da contribuição ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e do adicional noturno.
Jucá diz que não haverá sobreposição da atuação da comissão com o trabalho que será feito pelo governo.
"O nosso trabalho poderá consolidar a regulamentação do ministério. Regulamentar a Constituição é função do Congresso Nacional, não vamos abrir mão dessa prerrogativa."
A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais), que representou a presidente Dilma na sessão de promulgação, disse que o governo vai "analisar com cautela" a sugestão do relator de desburocratizar o pagamento dos benefícios. "Vamos verificar a possibilidade porque isso tem implicações, mas vamos analisar."
O presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), realizou sessão solene para a promulgação da PEC -com direito a coral do Senado, homenagens às domésticas e presença de vários ministros. O senador disse que o Congresso viveu um "dia histórico".
A presidente do Sindicato Nacional das Domésticas, Creuza Oliveira, acompanhou a promulgação da PEC na tribuna do Congresso.
Pausa para descanso de doméstico não pode ser fracionada, diz advogado
Respostas para 70 dúvidas sobre os novos direitos dos domésticos


DIREITOS JÁ ASSEGURADOS
Passam a valer a partir de hoje
1) Salário mínimo (já assegurado antes. O valor pode variar de Estado para Estado)
2) Jornada de Trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais
3) O que exceder essa jornada deverá ser pago como hora extra, desde que a jornada máxima diária seja de 10 horas
4) Descanso mínimo de uma hora e máximo de duas horas para jornadas superiores a 6 horas; para as inferiores, descanso mínimo de 15 minutos
5) Reconhecimento de eventuais convenções e acordos coletivos de trabalho

    DIREITOS QUE PRECISAM DE REGULAMENTAÇÃO
    Só valem depois que as decisões forem publicadas
    >> FGTS: 8% sobre a remuneração. Falta definir o modelo de pagamento
    >> Demissão sem justa causa: falta definir se a multa será de 40% do FGTS
    >> Seguro-desemprego: serão cinco parcelas, mas falta a publicação da regra
    >> Adicional noturno: de 20% sobre a hora trabalhada das 22h às 5h. A hora noturna tem 52min30seg. Falta definir em que situação será computado para trabalhadores que dormem no trabalho
    >> Creche e pré-escola para os filhos de até 5 anos: falta definir quando passará a valer
    >> Salário-família pago ao dependente: precisa de definição da Previdência
    >> Seguro contra acidente do trabalho: precisa de definição da Previdência


      Ministério deve apressar regras do FGTS
      JÚLIA BORBADE BRASÍLIAA presidente Dilma Rousseff pediu pressa ao ministério para que as mudanças para os trabalhadores domésticos entrem em vigor.
      O ministro Manoel Dias (Trabalho) disse estar disposto a antecipar a regulamentação de temas que já estejam solucionados.
      Um dos exemplos é o pagamento da contribuição ao FGTS, que passou a ser obrigatória e deve seguir os mesmos padrões adotados hoje por patrões que fazem o pagamento espontaneamente.
      Segundo contadores, essa deve ser uma das principais dificuldades, por causa da burocracia envolvida.
      Quem nunca pagou o FGTS deve primeiro se cadastrar no site da Receita e obter o Cadastro Específico do INSS.
      Feito isso, o empregador pode pagar por meio de guia impressa ou pela internet, mas, segundo contadores, o método on-line é mais complicado.
      Os cálculos dos valores ficam por conta do empregador. Pela internet é preciso baixar o programa do Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social, que requer a compra de um certificado digital, espécie de pen drive com senhas.
      90 DIAS
      O trabalho de regulamentação, como um todo, pode levar até 90 dias. O grupo de trabalho do ministério deve ter seu detalhamento publicado até sexta-feira no "Diário Oficial da União".
      A princípio, deverá esclarecer como o empregador deve proceder em sete pontos da proposta.
      O grupo precisará de subsídios de outros órgãos, como a Previdência, no caso de seguro contra acidente de trabalho e salário-família pago ao dependente.

        Recebendo as visitas - MARTHA MEDEIROS

        ZERO HORA - 03/04/2013

        Sempre me fascinou a maneira como tanta gente recebe amigos em casa de forma absolutamente desestressada. As visitas chegam sem avisar, abrem a geladeira, se esparramam no sofá e está tudo certo, desde que sejam íntimas. Se não forem íntimas, tornam-se.

        Nesse aspecto, minha educação foi mais cerimoniosa. Gosto de ser avisada que virão à minha casa, até para ter tempo de me preparar: comprar algumas flores, abastecer a geladeira, deixar a música no ponto. Adoro receber, desde que me deem a chance de esperar meus convidados como acho que devo. Na contramão da maioria das pessoas, prefiro a previsibilidade ao ataque surpresa.

        Não sei de onde vem essa formalidade, deve ser cultura familiar. Lembro de ouvir recomendações quando criança: trate bem as visitas. Mesmo eu não conhecendo alguns amigos dos meus pais, era obrigatório ir até a sala, de pijama e dentes escovados, cumprimentar os adultos e dar boa-noite. Podia ser aborrecido, mas não havia negociação.

        Então, ficou incrustada em mim essa reverência prestada a todos os que nos visitam – mandam os bons modos oferecer ao menos um copo d’água, convidar para sentar, ser atencioso e procurar causar uma boa impressão.

        Talvez seja por isso que a cada vez que ouço a notícia de que um turista estrangeiro sofreu alguma selvageria em nosso país, sou tomada pela vergonha. Óbvio que qualquer crime, contra qualquer pessoa, é chocante e inadmissível, mas o turista atacado me parece ainda mais indefeso do que nós: ele não conhece as manhas das nossas cidades, não fala nosso idioma, está aqui apenas para se divertir, e de repente sofre um assalto brutal e tem sua dignidade profundamente atingida, como foi o caso do casal de namorados que há poucos dias entrou numa van em Copacabana e acabou sofrendo abusos por seis horas nas mãos de delinquentes.

        Cadê o copo d’água, a atenção?

        É só assistir aos telejornais para perceber que o Brasil não mudou tanto quanto apregoa. Manicure mata criança, motorista atropela e foge, torcedores se agridem. E proliferam os roubos de carros, arrastões em restaurantes, depredação de caixas eletrônicos. Difícil nossas atrações turísticas competirem com o produto brasileiro mais divulgado lá fora: a violência.

        Claro que existe o vice-versa: nem sempre brasileiros são recebidos no Exterior com tapete vermelho, como demonstram os casos de deportações sumárias e assassinatos inexplicáveis, a exemplo do garoto que recebeu vários eletrochoques disparados por policiais canadenses ou o famoso episódio envolvendo Jean Charles, que foi abatido a tiros num metrô de Londres.

        Mas não atenua. Sigo muito envergonhada. Se vieram pacificamente até a nossa casa e abrimos a porta, que façamos a gentileza de deixar o cachorro preso.



        Jardins, hortas e cafés da manhã - Nina Horta

        folha de são paulo

        Vocês sabem, não é que o primeiro passo para um dia bom é um café da manhã sem pressa, cafezinho simples, com pão fresco e manteiga, não precisa mais? Precisa, sim, precisa estar vendo alguma paisagem verde pela janela ou pela porta. Se os jornais estiverem ao lado, melhor ainda. Há por trás daquilo uma ligação com o mundo. Nem que não dê tempo de ler, é só a âncora daquele costume arraigado.
        Uma vez, roubei do jardim de um cliente uma muda de florzinha amarela. Acontece que todo jardim plantado com a mesma coisa por um quilômetro fica lindo quer queira quer não. O dele era assim, e consegui repetir a façanha num canteiro. Está lá. É a hora das flores pequenas e amarelas, e resolvi que vou fazer com que elas tomem conta da antiga horta. Vou deixar a pimenteira, o pé de louro, a jabuticabeira. E que as flores amarelas imperem sozinhas.
        Nesta altura da vida, já me convenci de que a natureza de mãe não tem nada. Está sempre ali para dar o bote, mesmo que a gente não se distraia. Há aquelas pestes de bichinhos pretos ou de lesminhas incolores. Aprendi que morrem se a gente derrete um sabão na água e rega tudo. Até dá certo.
        Acontece que a sálvia não sabe direito se gosta de sol ou de sombra, tem que ser meia-sombra. O coentro morre depressinha. Parece que a raiz da pimenteira tão querida está com cupim, e as heras estão umedecendo as paredes da casa.
        Lá no sítio, é ainda pior. Não falo mais de caseiro que não planta nada, que só come Danoninho da cidade, mas coitado, é plantar e vem a chuva, e vem o vento, e vem a pulga, e zero. Começar de novo. Melhor plantar árvore, daquelas conhecidas. Não há vento que entorte.
        E as galinhas? Seu Antonio me disse que uma delas estava com o pé machucado, com o dedo inflamado. Não me lembro de ter respondido nada, talvez um murmúrio, “vou à farmácia”. Não sei mesmo.
        Ontem perguntei como ia a galinha. Ele respondeu que o dedo dela caiu com o remédio que eu mandei passar.
        “Eu?” “É, a senhora disse para eu passar água sanitária.” “Seu Antonio, o senhor sabe que odeio água sanitária, nem compro…”
        É, mas diz ele que mandei e quero morrer de dó da galinha sem dedo, que desastre!
        E aquelas plantas que “pegam demais”? Hortelã, bonina, aquela florzinha caipira com cheiro de vaselina barata e feijão de rama vão nascendo, vão nascendo e, de repente, é preciso arrancar e jogar longe.
        Com o tempo, vai dando uma saudade, mas, na hora da invasão, são mortos a sangue frio.
        Pois é, o pão está crocante, perigo continuar comendo. Se começo a ler o jornal, perco a hora. Imagine um catálogo de plantas comestíveis que veio junto com um deles. Uma ervilha-verde de trincar nos dentes, uma salsinha-crespa que sozinha dá gosto a um omelete inteiro…
        Foi-se o tempo de inventar hortas novas. Ainda tenho uns desvarios de canteiros altos que batam na minha cintura e com rodas para serem levados ao sol da tarde ou tirados das tempestades que Deus dá. É possível, seria o máximo. Tomo o último gole de café já frio e corro para o trabalho. Amanhã tem mais.
           

        EUA vão investir US$ 110 milhões em 'mapa do cérebro'

        folha de são paulo

        RAFAEL GARCIA
        EM WASHINGTON
        O governo americano anunciou ontem um pacote de US$ 110 milhões para incentivar avanços em neurociências, com a principal parcela saindo do Departamento de Defesa do país.

        A Darpa, maior agência estatal de pesquisa militar, deve desembolsar US$ 50 milhões em 2014, os NIH (Institutos Nacionais de Saúde), US$ 40 milhões, e a Fundação Nacional de Ciências, US$ 20 milhões.
        A iniciativa, batizada de Brain --cérebro, em inglês, e um acrônimo para "Pesquisa do Cérebro por Avanços Neurotecnológicos Inovadores"--, foi lançada ontem pelo presidente Barack Obama e seu orçamento deve ser enviado ao Congresso dos EUA na semana que vem.
        Editoria de Arte/Folhapress
        A ideia é que o programa seja uma empreitada de longo prazo, como aquela que sustentou o sequenciamento do genoma humano na década de 1990.
        Segundo a Casa Branca, o objetivo é "acelerar o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias para permitir que pesquisadores produzam imagens dinâmicas do cérebro que mostrem como células cerebrais individuais e circuitos neurais complexos interagem à velocidade do pensamento".
        SEM PRAZO
        A iniciativa, que recebeu promessas de investimento de mais US$ 158 milhões por parte da iniciativa privada, não estabeleceu nenhuma meta concreta, ainda.
        Não há, por exemplo, um prazo para que cientistas tentem mapear as sinapses (conexões entre neurônios) humanas em sua totalidade ou uma meta para a precisão a ser atingida por aparelhos de ressonância magnética.
        Francis Collins, diretor dos NIH e ex-líder do Projeto Genoma Humano, disse que um grupo de trabalho vai definir metas científicas detalhadas para os investimentos.
        A equipe é liderada por Cornelia Bargmann, da Universidade Rockefeller, e William Newsome, da Universidade Stanford. Eles serão responsáveis por desenvolver um cronograma e determinar o que exatamente significa a "decodificação" do cérebro proposta por Obama em seu discurso.
        "Imagine o que poderíamos fazer uma vez que quebrássemos esse código", disse o presidente numa pergunta retórica. Ele citou como possíveis benefícios dos investimentos os avanços em pesquisa sobre parkinson, alzheimer e autismo.
        O papel do investimento da Darpa foi justificado como um meio de aprimorar o tratamento do estresse pós-traumático e de criar próteses neuromotoras para vítimas de lesão cerebral e amputação --problemas comuns entre veteranos de guerra.
        Obama também apelou à competitividade. "Não podemos perder essa oportunidade, pois o resto do mundo está na corrida", disse.
        O investimento do governo americano na iniciativa, porém, é menor do que o bilhão de euros que a União Europeia promete colocar no Projeto Cérebro Humano, cuja meta é simular o cérebro num computador.
        Para chegar à escala do Projeto Genoma Humano, de US$ 3 bilhões, a iniciativa Brain precisaria ter um financiamento na escala atual por mais de uma década.
        O maior contribuinte privado é a Fundação Allen --de Paul Allen, cofundador da Microsoft--, que promete US$ 60 milhões. Os outros são o Instituto Salk (US$ 28 mi), o Instituto Médico Howard Hughes (US$ 30 mi) e a Fundação Kavli (US$ 40 mi).

        CNJ vai propor mudança ou até extinção da Justiça Militar


        O Globo - 03/04/2013

        Após estudo que indicou alto custoe baixa produtividade, JoaquimBarbosa cita ‘descalabro financeiro’


        CAROLINA BRÍGIDO
        carolina@bsb.oglobo.com.br



        BRASÍLIA O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou ontem um grupo de trabalho para avaliar a real necessidade da Justiça Militar no país. A comissão tem prazo de 90 dias para fazer um diagnóstico dos tribunais militares e, a partir dos dados, propor mudanças - ou mesmo a extinção desse setor do Judiciário. A decisão foi tomada a partir de sugestão do conselheiro Bruno Dantas, que apresentou números com a despesa que a Justiça Militar representa para os cofres públicos. Em seguida, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou as cifras.

        - Esses números são escandalosos. É um indicativo de um verdadeiro descalabro financeiro - protestou Barbosa.

        Segundo relatório apresentado por Dantas, o Superior Tribunal Militar (STM) tem orçamento anual de R$ 322.513.287,80. São 15 ministros, 36 juízes, 962 servidores no STM e 398 atuando no primeiro grau. No tribunal, são julgados apenas 54 processos por magistrado em um ano. Os números são de 2011.
        Há também os tribunais militares de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. Nos três estados, o orçamento é de R$ 96.493.777,22. São 20 desembargadores, 19 juízes e 513 servidores.
        274 processos prescreveram

        A decisão foi tomada depois do julgamento de um processo administrativo disciplinar contra os dois magistrados da Segunda Auditoria Militar de Minas Gerais: Paulo Tadeu Rodrigues Rosa e Paulo Eduardo Andrade Reis.

        Eles perderam o prazo para julgar 274 processos de um total de 331. Os processos prescreveram e não puderam ser julgados -, e, portanto, os réus não foram punidos. Os dois juízes receberam do CNJ a pena mais branda prevista em lei, a censura.

        O caso foi revelado pela corregedoria do tribunal. A corregedoria havia feito uma representação contra os juízes do Tribunal da Justiça Militar de Minas Gerais, que arquivou o caso.

        Quando o caso chegou ao CNJ, os conselheiros constataram que não houve intenção dos magistrados de prejudicar os processos. Foi constatada falta de condição de trabalho no tribunal. O CNJ deu prazo de 60 dias para que o tribunal elabore uma estratégia para prevenir ocorrências semelhantes no futuro.
        Durante o julgamento dos magistrados, Barbosa defendeu a mudança nas regras de prescrição de crimes previstas na legislação brasileira.

        - Prescrever ao longo da tramitação é a indicação de um sistema que não quer punir. A prescrição é sempre uma espada de Dâmocles na cabeça do juiz - disse. - Tem que haver uma reformulação total dessas regras de prescrição, elas conduzem a essas perplexidades. Em muitos casos, há cálculos deliberados para que a prescrição incida.

        Também na sessão de ontem, já em outro julgamento, Barbosa criticou as penas administrativas previstas para juízes condenados por desvio de conduta no exercício da profissão.
        - Sejamos intelectualmente honestos: é grande vantagem para magistrados que cometem deslizes graves o fato de poderem continuar na carreira - reclamou.


        ONU aprova controle a comércio de armas

        folha de são paulo

        Texto considerado histórico manda países evitarem que elas sejam usadas, por exemplo, em crimes contra humanidade
        Acordo valerá quando 50 países o tiverem ratificado; Brasil vota a favor; Coreia do Norte, Irã e Síria são contra
        JOANA CUNHADE NOVA YORKApós quase dez anos de negociações, o primeiro tratado internacional para regular o comércio de armas foi aprovado ontem pela Assembleia-Geral da ONU, em Nova York.
        Com 154 votos a favor, 3 contrários e 23 abstenções, o acordo tem o objetivo de controlar um mercado estimado em US$ 70 bilhões anuais, que abrange de navios e tanques a armas pequenas.
        Armas não convencionais (nucleares, químicas e biológicas) não estão cobertas pelo novo acordo.
        Pelo documento, os países terão de impedir que armas exportadas violem embargos, cheguem ao mercado ilegal ou sejam usadas em terrorismo, genocídio ou crimes contra a humanidade.
        O texto foi classificado de histórico, apesar de fragilidades: a principal, o fato de não haver penalidade a quem não cumprir o acertado. Além disso, grande parte do comércio internacional de armas é feito por via informal, como contrabando.
        Os signatários precisam ratificar o tratado, que entrará em vigor quando isso tiver sido feito por 50 países.
        Votaram contra Estados envolvidos em controvérsias globais ligadas ao tema: Coreia do Norte, Irã e Síria já haviam bloqueado decisão consensual na semana passada.
        A Rússia, que ficou entre os que se abstiveram, é um dos maiores exportadores mundiais do setor e tem seu fornecimento à Síria questionado pelas potências ocidentais.
        Outro peso-pesado da indústria bélica, a China também se absteve, assim como Índia, Egito, Venezuela e Cuba. Apesar do voto favorável do Brasil, o país considerou que restaram lacunas.
        A embaixadora brasileira na ONU, Maria Luiza Viotti, afirmou em seu discurso que o país participou do "processo de negociação do tratado desde seus primeiros momentos". Disse, porém, que a inclusão de alguns elementos teria contribuído para um resultado mais significativo.
        Segundo o Brasil, o documento poderia ter sido mais preciso com relação à logística do comércio de munições, que recebeu tratamento menos severo. Uma pessoa próxima aos negociadores disse à Folha que essa medida não teve apoio de alguns dos grandes produtores como EUA e Rússia.
        CERTIFICADOS
        Outro ponto defendido pelo Brasil era o de que fossem exigidos certificados dos governos sobre quem seriam os usuários finais dos produtos bélicos. Mas a medida foi considerada de difícil implementação por alguns de seus pares na ONU.
        Segundo o Ministério das Relações Exteriores, tratou-se de uma negociação que envolveu muitos países, o que tornou complexa a inclusão de todos os aspectos.
        Para o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, apesar da maioria, o consenso teria sido importante para fortalecer o combate à violência.
        Já a Anistia Internacional, que classificou de "cínicas" as votações de Irã, Coreia do Norte e Síria, afirmou que, a despeito das posições contrárias, a grande maioria das nações demonstrou apoio a um tratado histórico.

          Para o Brasil, maior impacto deve ser quanto à transparência
          DE SÃO PAULOO maior impacto do Tratado de Comércio de Armas no Brasil deve ser a transparência na venda de armamentos, segundo especialistas.
          Para Daniel Mack, coordenador internacional do Instituto Sou da Paz, o tratado é um "ganho estratosférico" para um setor que convive com uma lacuna de regulamentação internacional.
          "Exportações hoje são quase secretas. Agora, os critérios para venda de armas estão bem definidos", disse.
          O Brasil é um dos maiores exportadores de armas leves (revólveres e pistolas), segundo o Small Arms Survey, o principal estudo a respeito do assunto, realizado pelo Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento em Genebra.
          Álvaro Gullo, do departamento de sociologia da USP, diz que, com o tratado, empresas do setor terão de se questionar "para quem e como vamos vender".
          "Todos os conflitos na África são resultado de armas vendidas em troca de recursos naturais do continente, como diamantes", afirmou.
          No ano passado, a Folha revelou, através da Lei de Acesso à Informação, depois de dois pedidos negados pelo Ministério da Defesa, que o Brasil vendeu ao Zimbábue nos anos de 2001 e 2002 uma bomba proibida pela comunidade internacional.
          O país era acusado de ajudar o vizinho Congo, que enfrentava uma guerra civil.
          Também no ano passado, em um comunicado enviado à ONU, o Brasil se mostrou contrário à transparência no setor de armas.
          Para Gullo, outro problema a ser enfrentado no Brasil é o comércio ilegal. "Sem um controle efetivo das fronteiras, não há como controlar o tráfico de armas".
          Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato de Lima vê avanços no tratado e também defende maior transparência na indústria nacional.
          "Por mais que seja um mercado estratégico, sem dúvida o mecanismo de controle transnacional faz com que tenhamos mais clareza sobre o mercado de armas leves no Brasil."
          Estima-se que o faturamento da Taurus, maior empresa do ramo de armamentos do País, tenha ficado em torno de R$ 700 milhões em 2012. Exportações seriam responsáveis por 60% desse total. (EDUARDO VASCONCELOS)

            ANÁLISE
            Fuzis são as reais armas de destruição em massa
            RICARDO BONALUME NETODE SÃO PAULO"Armas de destruição em massa" costumam ser uma das grandes preocupações mundiais, sejam elas nucleares, biológicas ou químicas.
            Fizeram parte do pretexto americano para invadir o Iraque em 2003 -comprovadamente errado. O risco de que possam cair na mão de terroristas explica a ênfase ocidental na "guerra ao terror".
            Mas as verdadeiras armas de destruição em massa são bem mais simples e convencionais: fuzis, granadas, minas explosivas.
            E praticamente todo o planeta com uma base industrial relativamente simples consegue produzi-las.
            São estatísticas que não mentem. Desde a Segunda Guerra Mundial, terminada em 1945, apenas duas bombas atômicas foram usadas em "combate", contra o Japão, no final do conflito.
            Armas biológicas só foram usadas em poucos atentados terroristas. Poucos países usaram, e com escasso sucesso, armas químicas. Mas milhões morreram mortos por fuzis, granadas e minas.
            Ironicamente, armas nucleares tenderam a promover a paz. Países rivais assim armados, com era o caso da antiga União Soviética e dos Estados Unidos, ou da Índia e do Paquistão, não entraram em guerra.
            Um tratado anterior regulou a produção de minas terrestres, que deveriam estar totalmente banidas. Mas vários países continuam com seus solos mais recheados com elas do que com culturas agrícolas.
            PREÇO DE BANANA
            Armas ditas convencionais cobrem um largo espectro em preço e em tecnologia. Um fuzil automático é vendido a preço de banana em um país africano. Um tanque ou um míssil antiaéreo custam bem mais. Mesmo assim, é difícil fiscalizar sua venda no mercado internacional.
            Já um caça de última geração é bem mais caro, assim como uma fragata ou um destróier. São vendas fáceis de detectar e em geral legítimas.
            Guerras convencionais entre países soberanos são cada vez mais raras -a guerra das Malvinas em 1982 entre Reino Unido e Argentina foi considerada uma aberração.
            Guerras civis e de guerrilha são outra história. Fuzis de assalto como o russo AK-47, o americano M-16 ou o belga FAL mataram milhões de pessoas, a enorme maioria no Terceiro Mundo.
            E continuam matando. Os fuzis ainda estão espalhados pelo planeta. Foram produzidos e vendidos aos milhões e não têm prazo de validade. Munição não falta e mesmo com o novo tratado não deverá faltar. Existe muita, e existem muitos fornecedores. É mais um tratado para ser recebido com ceticismo.

              Matias Spektor

              folha de são paulo

              Palavras do chanceler
              Brasil precisa obter reconhecimento como ator "nuclearmente responsável"
              Na próxima semana, Antonio Patriota vai a Washington para discursar sobre o futuro da política nuclear mundial em uma grande conferência sobre o tema.
              A princípio, não deveria haver grande mistério nisso.
              Afinal, os objetivos da diplomacia nuclear brasileira são claros: proteger a incipiente indústria nacional de enriquecimento de urânio; mitigar a desconfiança dos vizinhos a respeito do projeto do submarino nuclear; negociar salvaguardas para o submarino se e quando ficar pronto; e eliminar as travas legais que emperram a retomada do programa espacial.
              Também cabe à diplomacia nuclear a árdua tarefa de obter reconhecimento internacional do Brasil como ator "nuclearmente responsável". Trata-se de um rótulo que não se ganha pelo mero cumprimento de critérios técnicos, mas tem de ser obtido e mantido em um ambiente altamente politizado e incerto.
              E cabe à diplomacia nuclear oferecer uma visão brasileira, concreta e prática, do que seria um ordenamento nuclear minimamente justo e estável. A primeira vez que se tentou algo assim em escala global foi com a Declaração de Teerã, em 2010. Não deveria ser a última.
              No entanto, a palavra do chanceler será importante porque, em anos recentes, o programa nuclear brasileiro não tem sido muito bom de relações públicas. Agora, com as atividades nucleares do país em fase de expansão, acertar o tom é tarefa urgente.
              Em 2004, por exemplo, Brasília tinha bons motivos quando sugeriu a Buenos Aires uma reavaliação do sistema bilateral de controles nucleares mútuos: a forma em que foi feita a sugestão, contudo, assustou e afastou o vizinho, com repercussões negativas até hoje.
              Quando o Brasil limitou o acesso de inspetores estrangeiros às centrífugas de fabricação nacional, em vez de explorar as alternativas propostas pelos nossos próprios cientistas qualificados, politizou-se o tema, levando muita gente boa, mundo afora, a pensar que o país tem muita coisa a esconder. Não tem.
              Quando o ex-vice-presidente José Alencar disse que países detentores de bomba atômica têm mais autoridade do que países desarmados, falava uma simples verdade.
              Saída de sua boca, contudo, a mensagem levantou suspeitas desnecessárias. Efeito idêntico ocorre cada vez que alguém em Brasília diz, publicamente, ter sido um erro assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear.
              Ou quando se busca justificar a construção do submarino nuclear não apenas para capacitação industrial e tecnológica, mas também como instrumento para negar o uso do mar a eventuais inimigos. De Santiago do Chile a Paris, de Nova Déli a Moscou, almirantes que entendem estratégia naval arqueiam as sobrancelhas com perplexidade. Ou preocupação.
              Fatos assim obstaculizam o objetivo fundamental, qual seja o de tocar o processo brasileiro de conhecimentos e negócios na área nuclear de forma aberta e transparente, sem gerar tensão à toa.
              Falando na capital dos Estados Unidos, algumas palavras do chanceler brasileiro podem fazer um baita bem.

                Antonio Prata

                folha de são paulo

                PEC & Pague
                Encontrei Vanda, que cozinhava e lavava roupa em casa quando eu era criança, depois de dez anos
                VANDA VINHA do interior da Bahia e de dentro de um livro de Charles Dickens. Caçula de nove filhos, aos sete anos foi dada pela mãe, incapaz de sustentá-la, a uma conhecida. Trabalhou de graça na casa da mulher até os 15, então pegou um ônibus e fugiu para São Paulo. Quando eu ou minhas irmãs a importunávamos com nossas demandas de criança mimada, nos contava histórias da infância de gata borralheira, fazia-nos apertar seu nariz, quebrado por uma das filhas da "patroa" com um rolo de amassar pão e nos expulsava da cozinha: "Sai pra lá, peste, e me deixa acabar essa janta!".
                Vanda cozinhava, limpava, lavava roupa e passava. Morava num quartinho nos fundos da casa, ao lado do tanque e da máquina de lavar roupa, aonde era vedada a minha entrada. Às vezes, a via pela porta entreaberta: de bobes na cabeça, falando ao telefone ou pintando as unhas dos pés, sob o lusco-fusco da TV preto e branco.
                Nos fins de semana, arrumava-se toda e ia para a casa de umas primas, na periferia. Um domingo, levou-me junto, para um churrasco. Lembro de ter me saído estranhamente bem no futebol com os meninos da rua, lembro de mulheres curiosas pegando no meu cabelo loiro, lembro das gargalhadas que explodiram quando apontei a carne na grelha e perguntei se era picanha.
                Levei muitos anos para entender a graça da minha pergunta. Levei muitos anos, também, para entender por que não nos referíamos à Vanda como "nossa empregada", mas como "a moça que trabalha lá em casa" -tentativa inútil de contornar o incômodo daquela anacrônica e persistente relação.
                Vanda viveu e trabalhou conosco por 15 anos. Depois que crescemos e saímos de casa, minha mãe e meu padrasto resolveram não ter mais uma empregada morando lá. Falaram com amigos e arrumaram outra família para Vanda trabalhar. A patroa nova foi pegá-la uma noite, depois do jantar -a mudança da Vanda coube no porta-malas do carro.
                Fiquei dez anos sem vê-la. Em 2011, caminhando por uma praia do litoral norte, ouvi um grito: "Tunim!". Ali estava ela, fazendo um castelo de areia, com os filhos da patroa. "Meu menino, meu menino!", ela repetia, me abraçando e chorando -eu fiquei tocado, mas não chorei. Naquela tarde, contou-me que ia se aposentar e voltar pra Bahia, onde estava terminando de construir uma casa, com suas economias. Ano passado, ela voltou: aos 60 e tantos anos, pela primeira vez desde os sete, dormiu num quarto que não pertencia a seus patrões.
                Estranha sensação ao escrever esta crônica. Parece que falo da minha infância de menino de engenho, no interior de Pernambuco, no século 19, não da infância de um filho de jornalistas, numa casa geminada no Itaim Bibi, no final do século 20. Estranheza que confirma a profecia de Joaquim Nabuco (relembrada por Caetano Veloso, em "Noites do Norte"): "A escravidão permanecerá por muitos anos como a característica nacional do Brasil".
                Característica que, lentamente, vamos deixando para trás, no início do século 21. Lentamente, pois ser empregada com FGTS, caixa de supermercado ou atendente de telemarketing ainda é muito pouco diante do que a vida pode oferecer -mesmo comendo picanha ou tomando banho com sabonete Dove.

                Painel - Vera Magalhães

                folha de são paulo

                Fique à vontade
                Dilma Rousseff deve aproveitar a ida à Associação Comercial de São Paulo, no dia 29, para formalizar o convite para Guilherme Afif assumir a nova pasta da Micro e Pequena Empresa, último ato da reforma ministerial. Afif diz a interlocutores que está numa "sinuca de bico" depois que Gilberto Kassab desvinculou a indicação do apoio do PSD ao governo. O ex-prefeito, porém, dá sinais a aliados de que aprova a escolha: "Será um gesto de inteligência política da presidente".
                -
                Quem pisca No governo paulista, a ordem é esperar. Embora Geraldo Alckmin tenha em mãos um parecer jurídico sobre eventual afastamento do vice, não quer ser acusado de "expulsar'' Afif. "A iniciativa é dele, não de Alckmin", diz um secretário.
                Quem sabe Depois de sucessivas tentativas, sem sucesso, de indicar um ministro, o líder do PTB no Senado, Gim Argello (DF), vai pedir o Ministério da Integração Nacional, hoje sob comando do PSB de Eduardo Campos.
                Nada feito Argello será recebido nos próximos dias, mas a oferta no Planalto continua sendo a de uma estatal. Uma possibilidade é a vice-presidência do Banco do Brasil, vaga com a ida de César Borges para os Transportes.
                Saudade Após a posse de Borges, hoje, Dilma segue para encontro com o ex-presidente Lula, em São Paulo.
                É comigo? Dilma passou toda a fala de Eduardo Campos na reunião de ontem, em Fortaleza, de costas para o pernambucano, conversando com Cid Gomes (CE). Nem nas vezes em que foi chamada pelo nome a presidente se virou para olhar para o aliado.
                Lá e cá O pessebista propôs desoneração do PIS/Cofins para companhias estaduais de saneamento, mas Dilma disse preferir desconto na conta de água. Aliados de Campos argumentam que a negativa reforça o discurso da asfixia de Estados e municípios que ele tem repetido.
                Efeito colateral Os governadores do Nordeste demonstraram preocupação com o Abril Vermelho, mês de protestos do MST. Eles entendem que, com a seca, o movimento deverá intensificar as ações, principalmente em Alagoas e Pernambuco.
                Pessoa jurídica A Rede ingressou com mandado de segurança na Justiça Federal para obter imediatamente seu CNPJ. Os "sonháticos" foram surpreendidos por uma instrução da Receita Federal que condiciona o cadastro da legenda de Marina Silva à obtenção das 500 mil assinaturas para registro no TSE.
                Vaquinha Antes de avaliar o pedido de liminar, a juíza responsável pelo caso quis ouvir as razões do governo. Sem CNPJ, a nova sigla não pode alugar imóveis e terá dificuldade para efetuar despesas. Os gastos, por ora, são cobertos por colaboradores.
                *Gincan*a Na corrida para se viabilizar até outubro, a Rede impôs metas a seus 6.800 mobilizadores. Cada um terá de entregar 30 novos apoios em postos móveis até domingo. A campanha é chamada "Eu sou mais 30".
                Rebelião Partidos da base aliada se articulam na Câmara por uma CPI para investigar operações da Petrobras, como a compra de refinaria em Pasadena (EUA). O PMDB, que perdeu a diretoria internacional da estatal, pilota a iniciativa nos bastidores, com apoio de PR, PSC e PP.
                Visita à Folha Benoit d'Iribarne, presidente do grupo Saint-Gobain do Brasil, visitou ontem a Folha. Estava com Carlos William Ferreira, diretor de assuntos corporativos, Meglen Ribeiro Ferraz, coordenadora de comunicação, e José Rubens Pontes, assessor de comunicação.
                com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
                -
                TIROTEIO
                "Haddad criou um Conselhão de compadres, pois trata como inimigos os que discordam dele. Mas democracia pressupõe debate."
                DE MIGUEL TORRES, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de SP, criticando o fato de a entidade ter sido excluída do colegiado recém-instalado pelo prefeito.
                -
                CONTRAPONTO
                Rir para não chorar
                Na reunião de ontem com Dilma Rousseff, governadores do Nordeste faziam relatos da seca em seus Estados quando Teotonio Vilela (PSDB) disse que, no interior de Alagoas, há cidades nas quais "as galinhas chegam a por ovos sem nunca terem visto chuva". Ante o espanto geral, explicou que uma galinha põe ovos depois de cinco meses, e há locais onde não chove há dois anos.
                -O prefeito de Jacaré dos Homens me disse que, se cair uma chuva repentina, uma galinha dessas pode morrer de infarto, sem saber o que está acontecendo...
                Nem a gravidade do tema evitou gargalhada geral.

                  Câmara aprova projeto que impede censura de biografias

                  folha de são paulo

                  ILUSTRADA - EM CIMA DA HORA
                  Caso não haja recurso para análise em plenário em cinco dias, o texto seguirá para votação no Senado
                  Segundo a proposição, autores vão prescindir de autorização de biografados ilustres ou de seus parentes
                  MÁRCIO FALCÃODE BRASÍLIAA Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou ontem um projeto de lei que libera a divulgação de filmes ou publicação de livros biográficos sem autorização da pessoa retratada ou de sua família.
                  A proposta, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), pretende alterar o Código Civil, que atualmente só autoriza a divulgação de imagens e informações biográficas de personagens públicos em situações específicas.
                  São elas: com autorização da pessoa exposta ou, se ela já tiver morrido, com consentimento de parente; por necessidade da administração da Justiça e para manutenção da ordem pública.
                  Com base nesses critérios, a Justiça já proibiu a venda de obras como as biografias do músico Roberto Carlos e do jogador Garrincha.
                  O texto aprovado estabelece que "a ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade".
                  Se não for apresentado recurso em cinco dias para que seja submetido a análise em plenário, o projeto seguirá para votação no Senado.
                  A votação foi simbólica (sem a contagem de votos). O deputado José Genoino (PT-SP) foi o único a se abster.
                  Corre também no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade que contesta a exigência no Código Civil de autorização prévia para a divulgação de obras biográficas.
                  O argumento da Adin é que a restrição fere o princípio da liberdade de expressão e da informação. A relatora da ação, ministra Cármen Lúcia, pediu, em fevereiro, que o Ministério Público Federal se manifeste sobre o caso. Ainda não há data para o julgamento do caso.
                  Para o escritor e colunista da Folha Ruy Castro, autor de "Estrela Solitária - Um brasileiro chamado Garrincha", barrado na Justiça, a aprovação do projeto de lei significa o reconhecimento da "maioridade" do povo brasileiro por parte da Câmara.
                  "Se algum biografado não gostar do que leu, que processe o autor, ou contrate alguma pena de aluguel para lhe escrever uma biografia favorável. Mas nenhum livro pode ser impedido de circular", afirmou o escritor.

                    Elio Gaspari

                    folha de são paulo

                    Os ingleses e a morte de Lumumba
                    Passados 52 anos do assassinato do congolês, o lorde conta que a baronesa lhe disse: "fomos nós"
                    A CENA não podia ser mais chique. Em 2010, Lord Lea de Crondall tomava chá com a baronesa Park de Monmouth e comentou um trecho de um livro que discutia o envolvimento do serviço secreto britânico no assassinato do primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba, em 1961. O mistério completaria meio século. Lumumba tinha 35 anos e parecia um Fidel Castro (versão 1.0) africano. Vencera uma eleição e mal completara três meses como primeiro-ministro quando foi deposto e preso. Fugiu e foi capturado. Seu assassinato foi um crime que superou, de longe, a execução do Che Guevara. Primeiro, porque estava no seu país. Ademais, porque foi filmado apanhando, até mesmo quando soldados tentavam fazê-lo comer um documento que assinara. A imagem de sua altaneira resignação, com as mãos amarradas, está no YouTube. Tropas da ONU que policiavam o Congo poderiam tê-lo libertado. Lumumba foi martirizado durante duas semanas. Apanhou de soldados, generais e até mesmo do presidente de uma província rebelada. Finalmente, no dia 17 de janeiro de 1961, militares congoleses e mercenários europeus encostaram-no numa arvore e fuzilaram-no.
                    A execução foi uma espécie de Assassinato no Expresso Oriente da Guerra Fria. Os americanos tentaram envenená-lo, os belgas tratavam-no pelo codinome de Satan e planejaram seu assassinato. O primeiro-ministro inglês discutira sua "eliminação" com o presidente americano Eisenhower, mas o dedo de Londres só apareceu durante o chá dos lordes. Faltava uma peça: quem armou a cena final?
                    "Fomos nós. Eu organizei a coisa", disse a octogenária baronesa de Monmouth. Aos 39 anos ela era Daphne Park e chefiava a estação da inteligência inglesa no Congo. Para quem se habituou com a cenografia de James Bond, Park encarnava o anticlímax. Com jeitão de missionária gorda, dirigia um Citroën velho. Até chegar à Câmara dos Lordes, passaria por Moscou, Zâmbia e Hanói. Nunca falou de sua carreira, ria do Bond de Ian Fleming e não gostava das tramas de John Le Carré. Daphne morreu aos 88 anos, poucos meses depois de seu breve comentário com Lord Crondall. Ele narrou a conversa numa carta recente ao London Review of Books.
                    Recompondo-se os fatos de janeiro de 1961, é possível que Daphne tenha organizado e instruído a ida de um ex-assessor de Lumumba à prisão onde ele estava, transferindo-o para a capital de uma província rebelada, onde seu fim estaria selado. Semanas antes, ela salvara a vida desse novo colaborador escondendo-o na porta-malas de seu carro.
                    Passados 52 anos do assassinato de Lumumba, ficou o saldo. De 1961 a 1997, o Congo foi governado por Joseph Mobutu, um policial transformado em coronel, queridinho da Central Intelligence Agency americana. O embaixador inglês achava-o incapaz de se tornar ditador. Foi um arquétipo dos cleptocratas africanos, intitulando-se Messias, Supremo Combatente e O Grande Leopardo. Juntou algo como US$ 5 bilhões, mais um castelo na França. Desde então o Congo viveu meio século de guerras civis (numa das quais se meteu Che Guevara) e nelas morreram milhões de pessoas. País de imensos recursos naturais, o Congo é um dos mais pobres e corruptos do mundo.

                      Tendências/Debates

                      folha de são paulo

                      JOSÉ SÉRGIO GABRIELLI DE AZEVEDO
                      TENDÊNCIAS/DEBATES
                      Pré-sal, Petrobras e o futuro do Brasil
                      Dizem que a Petrobras não terá condições de ser operadora única no pré-sal. É um claro sinal de miopia e defesa do interesse de poucos
                      Muito mais rápido do que outras experiências internacionais, o desenvolvimento da produção do pré-sal é a prova da pujança, capacidade operacional, experiência e liderança da Petrobras. Sete anos após a descoberta, já são extraídos mais de 300 mil barris/dia e ela terá sete novas unidades de produção ainda em 2013.
                      Até 2020, apenas nas áreas já concedidas e da cessão onerosa, serão 2,1 milhões de barris/dia -marca que já supera toda a produção nacional atual.
                      Só para comparar, para alcançar a marca dos 300 mil barris/dia, foram necessários 17 anos na porção americana do golfo do México e nove anos no mar do Norte.
                      Os números superlativos do pré-sal só foram possíveis graças à experiência acumulada pela Petrobras na bacia de Campos, pelo extensivo conhecimento geológico das nossas bacias sedimentares e pela sua capacidade de utilizar as mais avançadas soluções tecnológicas em situações tão difíceis como no pré-sal.
                      O desafio agora é desenvolver mais eficientemente a capacidade de produção, apropriar-se socialmente de seus benefícios, minimizar os impactos negativos e gerar fluxos que permitam criar mais empregos e estimular outras áreas da economia.
                      O investimento na cadeia produtiva de serviços, materiais e equipamentos de petróleo e derivados é parte fundamental para a expansão. Aí também o tamanho da Petrobras é fator decisivo.
                      Hoje praticamente tudo é desenvolvido no Brasil -reafirmando a indústria nacional- e não existe mais limites de tecnologia. A empresa está pronta e atuando na plenitude do que uma petrolífera pode fazer, sempre priorizando o Brasil: 98% dos investimentos e 95% da produção da companhia estão no país.
                      Somente a Petrobras pode apresentar um plano com a instalação de 38 plataformas de 2013 a 2020 e US$ 107 bilhões em desenvolvimento da produção. Só ela tem 69 sondas flutuantes de perfuração em operação para a construção e manutenção de seus poços.
                      Somente a Petrobras tem ainda força de trabalho treinada e capaz de dar respostas rápidas aos desafios do pré-sal. A empresa construiu nos últimos dez anos parcerias com mais de 120 universidades e centros de pesquisa no Brasil. Sem alta tecnologia -e uma rede com milhares de especialistas espalhada por todo o país-, não seria possível produzir com tamanha eficiência.
                      O novo marco regulatório também dá à Petrobras um papel estratégico fundamental: será a operadora única, investindo um mínimo de 30% dos novos campos do pré-sal e ficando responsável pela formulação dos projetos, gestão de implantação, operação dos empreendimentos e proposta de soluções técnicas.
                      Investimentos, conhecimento e capacidade produtiva que se traduzem em resultados financeiros para seus acionistas nos últimos dez anos. O valor de mercado da companhia, mesmo depois da crise global de 2008 e a queda do preço internacional do barril de petróleo, é hoje mais de dez vezes maior se comparado com 2003.
                      O marco regulatório também foi sábio na utilização das parcelas de lucro-óleo que o governo receberá com o modelo de partilha. Os recursos serão alocados em um fundo social que investirá em projetos nas áreas de educação, cultura, ciência e tecnologia e ambiente.
                      As novas regras foram aprovadas pelo Congresso depois de um amplo debate na sociedade. Foi objeto de grande resistência por parte daqueles que se beneficiavam do modelo das concessões. Agora esses interesses se reaglutinam e formam a base do ataque atual à empresa.
                      Dizem que a Petrobras não terá condições de ser operadora única no pré-sal. Querem desacreditar a liderança da companhia em conduzir o desenvolvimento da produção e fazem um feroz ataque político à companhia e à sua gestão nos últimos dez anos.
                      É um claro sinal de miopia e defesa do interesse de poucos. Além de negar a realidade, em uma falsa transmutação de uma empresa pujante em uma empresa em crise, colocam em segundo plano o potencial que os 30 bilhões de barris descobertos até aqui representam para nossa sociedade: a capacidade de ajudar na melhoria da vida do brasileiro, o que tanto incomoda a oposição e a coloca em alerta com a proximidade das eleições de 2014.

                        RICARDO VIVEIROS
                        TENDÊNCIAS/DEBATES
                        Mais educação e menos mortes no trânsito
                        A irresponsabilidade dos motoristas não deve nem pode ser tratada pela lei como simples acidente, quando, na verdade, é crime
                        Antes era apenas nos feriadões. Agora é a mesma coisa em qualquer época. As estatísticas fortalecem o noticiário, repleto de graves acidentes de trânsito, muitos dos quais envolvendo motoristas alcoolizados.
                        A falta de educação, reforçada pela imprudência e sensação de impunidade, rouba muitas vidas e deixa um rastro de sangue nas estradas e cicatrizes nos corações e mentes dos que sobrevivem à perda de parentes e amigos.
                        Essa dura realidade se agrava cada vez mais. Dados oficiais divulgados regularmente indicam que as mortes de jovens em acidentes de trânsito, nos últimos dez anos, cresceram mais de 30%.
                        O progressivo agravamento da violência no tráfego das vias públicas levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a proclamar 2011-2020 como a década de ação pela segurança no trânsito.
                        Há 17 anos, perdi um filho e uma neta em desastre de carro na cidade de São Paulo. Ele, 25 anos; ela seis meses. Ricardo, ilustrador e cartunista, era casado e tinha três filhos. Mariana, que morreu com ele, a caçula.
                        Naquela madrugada de 1996, um lacônico telefonema anunciou: morreu Ricardo Filho, morreu Mariana. O irresponsável que avançou o semáforo vermelho e os matou fugiu, desapareceu. Enterrei filho e neta juntos -um ato contra a lei da natureza.
                        Passados longos 15 anos, após uma luta sem trégua marcada apenas pela busca de justiça, jamais de vingança ou reparação financeira, o criminoso foi encontrado e julgado. Respondeu em liberdade à condenação de apenas um ano e nove meses.
                        Jamais aceitei a condição de vítima. Sofri tudo o que era possível. Cheguei ao fundo do poço e voltei, sobrevivente, para seguir o meu destino.
                        Mas cabe mudar a realidade que vivemos neste país. O investimento em educação precisa ser de no mínimo 10% do PIB (produto interno bruto). As leis de trânsito precisam ser mais rigorosas. As penas precisam ser maiores e realmente cumpridas.
                        O número oficial de mortos no Brasil vítimas de acidentes de trânsito é de cerca de 40 mil por ano. Porém sabe-se que são contabilizados apenas aqueles que morrem no local do acidente. Muitos acreditam que esse número passe dos 50 mil mortos anuais.
                        A irresponsabilidade dos motoristas não deve nem pode ser tratada pela lei como simples acidente, quando, na verdade, é crime.
                        Muitos perguntam-me o porquê de relembrar a tragédia que vitimou a nossa família. A resposta é simples: para não acontecer de novo com outras pessoas.
                        Cabe à sociedade, em sua legítima defesa, lutar por mais educação e pelo cumprimento de procedimentos que garantam os meios de provar a culpa dos motoristas alcoolizados e dos que dirigem de maneira insana. É preciso que as penas sejam mais rigorosas e, de fato, cumpridas. Por você, por nós, pelo futuro do Brasil.

                          Antonio Delfim Netto

                          folha de são paulo

                          Decimais
                          Terminamos o primeiro trimestre de 2013 sem que nada tenha acontecido, a não ser um aumento do ruído que atrapalha o avanço das importantes medidas institucionais e estruturais que o governo tenta implementar.
                          Não se trata de problema de comunicação, mas de execução. Graças a isso, as significativas propostas, que, no prazo médio, acelerarão o desenvolvimento pelo aumento da produtividade, são vistas apenas como "ativismo" tresloucado. Trata-se, obviamente, de um equívoco.
                          É inútil, porém, tentar corrigi-lo com palavrório ou exortação moral, pois há alguns sinais objetivos de que é daquela forma que nos veem, interna e externamente, os agentes econômicos, revelados no recente comportamento dos "credit default swaps" (CDS), da Bolsa e das perspectivas dos investimentos privados.
                          Como afirma o famoso teorema de Thomas, "se os agentes definem suas circunstâncias como reais, então elas serão reais nas suas consequências". O governo precisa, portanto, demonstrar, por atos e fatos, que não aceita o capitalismo de "compadres" e sua política "pró-negócios". Que sua política é "pró-mercados" fortemente competitivos e regulados constitucionalmente.
                          A primeira medida para mudar o quadro e salvar os três quartos de 2013 que ainda nos restam é destravar o "investimento" público por meio de leilões projetados por profissionais competentes, nos quais o poder incumbente fixa cuidadosa e transparentemente o que exigirá dos concessionários, estimula a competição e aceita a taxa de retorno oferecida pelo vencedor. É pouco provável que competidores sérios e capazes acreditem ou sejam seduzidos por subsídios creditícios e garantias financeiras que engordarão o deficit público dos futuros governos...
                          Nas condições atuais, a medida sugerida parece, infelizmente, de difícil realização, por dois motivos.
                          Primeiro, porque é impossível produzir um leilão realmente eficiente sem que os pretendentes à concessão sejam obrigados a apresentar minucioso "plano de negócio" que especifique as etapas, os procedimentos e as prováveis emergências da obra. Sem isso, não há o que cobrar do vencedor. Chega a ser ridículo sugerir que tais planos sejam analisados e assegurados por uma instituição financeira.
                          Segundo, porque cinco iluminados brasilienses criaram a seguinte dificuldade: a nota nº 663/2012/STN/SEAE/MF (17/8/12), que pretere o bom-senso. Ela fixa a divina taxa de retorno das rodovias em 5,50%. Trata-se de um "afugentador" de investidores, com a "precisão" de duas casas decimais...

                            FERNANDO BRANT » Três livros‏


                            Estado de Minas: 03/04/2013 


                            Não alcanço as palavras justas para dizer de minha admiração pela Vera Brant, minha prima querida. Sua casa é paraíso da inteligência, sensibilidade e amizade. Recebi pelo correio seu mais recente presente, um livro com sua correspondência com Alice Brant, pseudônimo de Helena Morley, autora da obra-prima Minha vida de menina. A conversa das duas é uma lição de vida, de carinho e bondade. A simplicidade e sabedoria de Alice, aquela adolescente de Diamantina que por três anos, de 1893 a 1895, descreveu seu cotidiano com uma genialidade que nos impressiona até hoje, se contrasta com a amiga mais jovem, sedenta de beber da experiência da parente mais vivida. Quanta graça nos casos que nos contam, quanta beleza.

                            Lido com prazer o livro publicado pela Vera, pego na estante a última reunião de poemas de Antônio Cícero, nosso candidato a imortal da Academia Brasileira de Letras. Em “Porventura”, a voz do poeta apresenta uma visão da mesma questão que, de forma diversa, Alice e Vera expressam em suas cartas. É o balanço do poeta: “A infância não foi uma manhã de sol:/ demorou vários séculos;/ e era pífia, em geral, a companhia. Foi melhor,/ em parte, a adolescência, pela delícia/ do pressentimento da felicidade/ na malícia, na molícia, na poesia,/no orgasmo, e pelos livros e amizades”.

                            Indo a Lisboa, não me encontrei com um outro poeta, português, mas ele me enviou, por amigos, sua poesia escolhida. Trata-se de José Jorge Letria, em livro-síntese de seus 40 anos de vida literária. Colho em sua obra versos que me encantaram.“ Minha linhagem”, por exemplo: “sou de uma estirpe desavinda com a terra/ de uma dinastia de comerciantes/ que vendeu carne aos balcões/ de mármore de bairros populosos e honrados/ de uma linhagem de heróis de bazófia/ de suicidas de fundo de quintal,/ de tias-avós dizimadas no viço da idade/ pelas epidemias do alvorecer do século”.

                            Ou então esse belo “ Contacto”: “Eu chamo-te e não me ouves/ estarás atrás daquela estrela, disfarçado,/ ou oculto numa nebulosa/ à espera da palavra que te resgate?/.... era como se as nuvens guardassem/ um sorriso teu no bojo de ventos e de chuvas./ Adormecia tranquilo no agasalho dessa crença/. Guardo numa gaveta de escrivaninha/ a tua carteira, os teus óculos, o lenço/ que usavas no dia que partiste. / E já se vão tantos, tantos anos./ De repente dei pela falta de teus telefonemas,/das perguntas inquietas que me controlavam/ as horas e as errâncias./ Tinhas medo, um medo terrível de me perder,/ e afinal fui eu que te perdi/. Dizem que foi/ a vontade de Deus./ E agora tu já não me ouves. Ou será que ouves/ e que a pequena estrela pálida, trêmula, esquiva/ que me ilumina a manhã é apenas/ uma forma de o céu escrever a palavra Pai?”.


                            Passei a santa semana em boa companhia, longe do mundo e do Brasil da vida real.