quarta-feira, 15 de abril de 2015

Amor a distância - Martha Medeiros

ZERO HORA 15/04/2015


Homens e mulheres têm viajado pra lá e pra cá e, mesmo quando em casa ou no trabalho, não param de se comunicar com nativos de outras cidades através das redes sociais. Logo, é natural o incremento de parcerias amorosas entre pessoas que residem a quilômetros umas das outras. O par protagonista do filme Ponte Aérea, que estreará amanhã em Porto Alegre, é só mais um entre tantos. Ela, interpretada por Leticia Colin, mora em São Paulo, e ele, vivido por Caio Blat, no Rio. Considerando o tamanho do planeta, praticamente vivem a uma esquina de distância.

No entanto, o ótimo e delicado filme de Julia Rezende vai além desse pequeno inconveniente geográfico. O que vemos na tela é o retrato da fragilidade das relações numa era em que todos estão ocupados demais para se entregar a alguém. O casal do filme é jovem, ambos estão em início de carreira e, segundo a diretora, são representativos de sua geração: fazem mil coisas ao mesmo tempo, atuam em todos os canais e mídias possíveis, querem engolir o mundo, mas morrem de medo de ser engolidos por ele.

Afinal, com tantas solicitações, compromissos, projetos e alternativas, sobrará tempo para se dedicar a um envolvimento profundo?

Não sei se esta é uma questão só dos jovens. Hoje, entre os avulsos de todas as idades, existe o mesmo pé atrás. Os solteiros que nunca foram casados antipatizam com a ideia de se amarrar sem antes fazer um test drive em todas as outras opções possíveis – o que levaria umas três vidas, por baixo. E os solteiros que já passaram por uma ou duas uniões estáveis e já viveram seu “eterno enquanto dure” não morrem de amor pela ideia de ter que voltar a prestar contas, negociar, conceder, programar, comprometer-se.

Virou exagero se doar. A ordem agora é se emprestar. Toma aí um pouquinho de mim, mas me devolve.

Resultado? Um sem-número de relacionamentos a distância, mesmo o casal sendo vizinho de bairro. Os dois sentados à mesma mesa, mas cada um teclando seu smartphone. Os dois saindo de férias, mas cada um para um destino diferente. Os dois com problemas, mas sem disposição para conversar a respeito. Os dois com muitos planos, mas sem nenhuma intenção de abrir mão do seu sonho em função do sonho do outro. Os dois com dúvidas, mas sem reparti-las para não ter que se explicar muito. Os dois juntos, mas não por inteiro, que nada mais é inteiro, tudo é fragmentado.



É uma contingência dos novos tempos, reconheço, mas não impede que a relação evolua. Que o namorico, a ficada, o rolo, o lance, o caso, a pegação se transforme em amor. E amor a gente não empresta, entrega de bandeja. É quando a distância deixa de existir. Mesmo um lá e o outro acolá, ela será suprimida por algo que verdadeiramente unifica: vínculo.

Animais com emoções

Cada vez mais estudos apontam que animais sentem emoções de forma parecida à dos humanos


Paloma Oliveto
Estado de Minas 15/04/2015


Cícero/CB/D.A Press

Mais de 62 mil espécies de vertebrados já foram descritas pelos biólogos. O homem é apenas uma delas. Ainda assim, muitos ainda pensam que a raça humana é a única a ter sentimentos. Uma visão antropocêntrica que a ciência tem ajudado a derrubar. Cada vez mais, estudos provam que, além das reações instantâneas a estímulos — medo, dor, fome e sede, por exemplo —, os animais exibem e reconhecem, nos outros, estados emocionais complexos. “É, no mínimo, solitário pensar que, em um mundo tão vasto, apenas nós seríamos capazes de sentir e todos os outros estariam aqui apenas para nos servir”, resume Mark Bekoff, professor emérito de biologia evolutiva da Universidade do Colorado, no livro Wild justice: the moral lives of animals (Justiça selvagem: a vida moral dos animais, sem edição no Brasil).

Eles não apenas têm emoções como as identificam em humanos, segundo um estudo publicado recentemente na revista Current Biology. Pesquisadores da Universidade de Medicina Veterinária de Viena (Áustria) constataram, pela primeira vez, que cães podem discriminar expressões emocionais exibidas por outra espécie — no caso, o homem. Para Corsin Müller, investigador do Laboratório de Inteligência Canina da instituição e um dos autores de estudo, essa é a primeira “evidência científica sólida” de uma capacidade que os tutores de animais de estimação estão cansados de reconhecer em seus bichos.

Müller esclarece que estudos anteriores sobre o tema haviam chegado a conclusões pouco convincentes. Para sanar a dúvida de vez, a equipe austríaca desenvolveu um teste totalmente novo. Primeiro, eles treinaram cães para diferenciar as imagens de uma pessoa,tanto com o rosto feliz quanto com expressão raivosa. Em ambos os casos, os cachorros só viam a metade superior ou inferior da face e, dependendo da expressão, os pesquisadores diziam as palavras “feliz” ou “bravo”.

Depois do teste composto por 15 pares de figuras, as habilidades discriminatórias dos animais eram examinadas em outros experimentos, nos quais os cientistas misturavam a metade de um rosto familiar (visto no teste anterior) ao de um estranho, ou mostravam apenas imagens que não haviam sido usadas previamente. Os cães foram divididos em dois grupos: o primeiro deveria reconhecer os rostos felizes, e o segundo identificar as faces raivosas. Quem acertava ganhava recompensa.

Associações “Descobrimos que os cachorros do primeiro grupo aprendiam mais rapidamente a fazer a diferenciação. Isso indica que eles reconhecem a expressão de raiva como um estímulo aversivo”, conta Müller. “Além disso, eles se saíram muito bem nos testes em que mostramos rostos que ainda não eram familiares. A conclusão é que eles usaram suas memórias sobre emoções humanas para cumprir a tarefa, pois não foram ‘apresentados’ àqueles rostos antes e, ainda assim, sabiam indicar quais estavam felizes e quais estavam bravos”, revela o pesquisador.

“Nosso estudo demonstra que os cães podem distinguir raiva e alegria em humanos, ou seja, eles sabem que essas duas expressões têm significados diferentes. Eles podem fazer isso não apenas para pessoas que conhecem bem, mas até para rostos que jamais viram antes”, acrescenta Ludwig Huber, principal autor do estudo e chefe do grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Messerli. “Não sabemos dizer o que as diferenças significam para o cão, mas, aparentemente, eles associam um rosto sorridente a um significado positivo e uma expressão raivosa a um significado negativo. Parece-nos que, por experiências anteriores, eles sabem que não é uma boa ideia ficar próximo de alguém que está com raiva”, continua.

De acordo com os pesquisadores, o estudo continuará para explorar o papel da habilidade de reconhecimento das emoções humanas. Além disso, a equipe pretende estudar como os cachorros expressam suas próprias emoções e como elas são influenciadas pelo estado de ânimo de seus tutores ou de outros humanos. “Esperamos obter importantes dicas sobre essa ligação extraordinária de humanos com seus pets favoritos”, escreveram no artigo.


ratos riem Para a pesquisadora Deborah Custance, que estuda esses laços, os cães não apenas reconhecem as emoções humanas, mas são empáticos em relação a elas. “Os donos de animais de estimação sempre falam que os cachorros parecem bem afinados com as emoções humanas. Eles parecem celebrar nossa alegria e ter comiseração por nossa tristeza”, observa a psicóloga da Universidade de Londres. Custance lembra que, embora realizada com pequena amostragem, uma pesquisa chegou a apontar que, quando os donos fingiam chorar, seus cães rapidamente respondiam, exibindo um comportamento mais submisso que o habitual. “Se os animais identificam emoções e dão sinais claros de empatia, essa é uma forte evidência de que eles próprios têm sentimentos mais complexos que normalmente se atribui”, acredita.

Além dos experimentos de observação, exames de imagem estão ajudando a desvendar as emoções dos animais. Recentemente, pesquisadores húngaros fizeram ressonância magnética em cachorros e descobriram que o cérebro canino reage de forma semelhante ao de humanos quando exposto a sons com alta carga emotiva, como risadas e choros. Estudo americano, também baseado em imagens cerebrais, mostrou que o cheiro dos donos faz ativar, em cães, a rede de neurônios associados ao prazer.

Esses estudos têm sido citados por um dos mais ativos cientistas que investigam as emoções animais. Jaak Panksepp, psicobiólogo e neurocientista americano, costuma usá-los em suas populares palestras mundo afora para chancelar a ideia de que os bichos não apenas têm sensações positivas, no sentido de uma reação fisiológica a certos estímulos, mas, de fato, sentem. Uma das mais polêmicas afirmações de Panksepp é que ratos podem, inclusive, rir. E porquinhos-da-índia, chorar. Ele diz isso com base em estudos de imagem que mostraram, nesses animais, a ativação dos mesmos circuitos que, em humanos, entram em atividade durante riso e choro.

Promoção de bem-estar

Ao demonstrar como os animais lidam com as emoções, estudos como o conduzido no Laboratório de Inteligência Canina estão ajudando a repensar o bem-estar deles, alega Mark Bekoff, professor emérito de biologia evolutiva da Universidade do Colorado. “Esse é um campo de pesquisa que está se tornando popular, não apenas pela relevância científica, por nos levar a compreender o comportamento animal, mas porque é importante para o bem-estar animal e, portanto, podem direcionar as políticas públicas”, diz. De acordo com ele, agora é amplamente aceito que mamíferos, outras espécies vertebradas e até alguns invertebrados têm emoções muito semelhantes às dos humanos.

Na Universidade Queen Mary, de Londres, os cães não são os únicos focos de pesquisa sobre emoção e bem-estar. Alan McElligott e Elodie Briefer, da Faculdade de Ciências Biológicas, estão estudando como as cabras expressam sentimentos, principalmente os positivos, que, segundo eles, são mais difíceis de detectar – diferentemente de cães, elas não “abanam o rabinho” quando estão felizes. “No geral, é mais fácil reconhecer os sinais associados a estresse e emoções negativas nos animais. Mas saber o que os faz felizes é tão importante quanto, ao pensarmos que podemos fazer para o seu bem-estar”, defende McElligott.

Ele analisou o comportamento e a fisiologia de ovelhas que vivem em um santuário inglês, incluindo sinais vitais, gestos e vocalizações, para entender como elas expressam emoções em situações negativas e positivas. “Quando estão satisfeitas, elas apontam suas orelhas para a frente e mantêm o rabo erguido, produzindo mais vocalizações”, ensina. “Saber dessas coisas é importante porque, dessa forma, é possível adaptar o ambiente para evitar as emoções negativas e promover as positivas”, diz o pesquisador. Ele esclarece que, hoje, os consumidores estão mais preocupados em saber como são tratados os animais que fornecem matéria-prima para a indústria, como leite e lã, e mesmo aqueles que serão abatidos. “Por isso, precisamos desses indicadores.” (PO)